A fotografia pode ser um excelente instrumento para revelar histórias que passam despercebidas. A fotografia pode também transformar vidas. A história de Fabio Teixeira é uma demonstração desse potencial. Nascido em Piracicaba (SP), era um garoto tímido e fechado. O interesse pela fotografia o levou ao Rio de Janeiro, onde mora desde 2010. Em um cenário maravilhoso e violento, ele se transformou efetivamente em fotógrafo. “Comecei a pegar pautas de cotidiano, mas logo estava cobrindo tiroteio e enterro de criança. Essa é a realidade do Rio. É triste, mas você se acostuma”, conta.
O trabalho dele evoluiu rapidamente da cobertura do hard news carioca para projetos de longa duração. Ele considera que o fotojornalismo diário é muito distinto da fotografia documental, estando até mesmo em contraposição. “A fotografia documental não tem nada a ver com o factual, é o oposto disso. Quando você cobre uma pauta, a agilidade é fundamental. Quando você sai em busca de uma história para contar ocorre justamente o contrário. É preciso dedicar um bom tempo para conversar com as pessoas, explicar o que você quer fazer e conquistar a confiança delas. Só depois é que você começa a fotografar. Sem essa aproximação é impossível conseguir boas fotos”, ensina Fabio.
Ele comenta que atualmente a fotografia documental responde por cerca de 85% de seu trabalho. A maioria das publicações atuais é de histórias que ele mesmo descobriu, fotografou, levantou informações e vendeu como pauta para veículos de comunicação variados, muitos deles internacionais.
Essas histórias têm rendido pautas e também prêmios. Começou em 2016, com o Urban Photographer of the Year, concedido pela CBRE Group, empresa do setor imobiliário situada em Los Angeles, Estados Unidos. No mesmo ano, Fabio ganhou o 21 Concurso Latino-Americano de Fotografia Documental “Los Trabajos y los Días”, realizado pela Escuela Nacional Sindical, da Colômbia, e o prêmio MPT de Jornalismo. Em 2017, foi a vez do prêmio Vladimir Herzog, voltado aos direitos humanos, e do Concurso Fotografe 20 Anos, promovido por Fotografe Melhor. Em 2018, foi o grande vencedor na categoria Fotojornalismo do Prêmio Petrobras.
Vindo do interior
Tudo começou em Piracicaba, cidade onde Fabio nasceu e cresceu. O interesse pela imagem surgiu primeiro do fascínio pelo cinema. Ao buscar uma inserção profissional, em meados da década de 1990, ele acabou achando uma vaga de assistente de fotógrafos de casamento, book e publicidade. Paralelo a isso, passou a atuar também como fotojornalista, colaborando com a agência Folhapress na cobertura de pautas da sua região. Para complementar a formação, cursou Jornalismo na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
Com familiares em São Paulo, ele não se aventurava a fotografar a metrópole quando ia passar alguns dias na casa dos parentes. “Sempre fui muito fechado, o típico cara que vem do interior, tímido. Quando passava períodos na casa de uma tia na Mooca, ficava só naquela região, não saía para fotografar a cidade”, conta.
A grande transformação veio em 2010. Ele entrou em contato com Guillermo Planel, cineasta uruguaio radicado no Rio, para solicitar uma cópia do documentário Abaixando a Máquina – Ética e Dor no Fotojornalismo Carioca, dirigido por Planel e lançado em 2007. O cineasta passou a ele também o filme ViVendo um Outro Olhar, sobre a experiência de fotógrafos formados nas favelas do Rio, muitos deles pelo projeto Imagens do Povo, concebido pelo fotógrafo João Roberto Ripper.
Depois de assistir aos filmes, Fabio Teixeira passou a se comunicar por meio das redes sociais com fotógrafos participantes. Dentre eles estava Ingrid Cristina, com quem acabou desenvolvendo uma relação de maior proximidade. A conversa logo evoluiu para um romance e, no final de 2010, Fabio se mudou para o Rio para morar com Ingrid.
Essa mudança foi decisiva na sua trajetória como fotógrafo. Lá ele encontrou um cenário muito diferente da pacata cidade natal. “Nós moramos em Bonsucesso. Basta atravessar a Avenida Brasil e você já está na favela da Maré. É comum ver pessoas armadas com fuzil andando pela rua. No começo tive medo, mas logo a cidade me adotou”, conta o fotojornalista.
Rio 40 Graus
No Rio, as pautas se multiplicaram: praia, cidade grande, violência, são assuntos que rendem notícia em maior quantidade do que a vida quase sempre tranquila do interior paulista. Em paralelo às pautas que cobria para a Folhapress e outras agências, Fabio Teixeira passou a fazer frilas para o jornal Extra. Porém, seu trabalho foi mudando paulatinamente de foco, passando do factual ao documental. Atento observador das ruas por onde anda, começou a buscar histórias que pudessem ser desenvolvidas em profundidade.
Uma das primeiras a dar um retorno efetivo foi a dos meninos da favela Pantanal que caçam rãs nos esgotos para comer e para vender. Foram cinco meses de aproximação para conseguir começar a fotografar. “Essas regiões são todas controladas, você não chega fotografando. As pessoas são desconfiadas, até porque elas vivem em situações precárias e não querem se expor. Existe todo um trabalho de convencimento e de explicação. Só quando você consegue estabelecer uma relação de confiança e até mesmo de amizade é que começam a surgir as boas imagens”, explica ele.
Foi com a foto intitulada “Brincando no Poço”, pertencente a essa série, que ele obteve o prêmio “Urban Photographer of the Year 2016”. Mas a história continua em aberto. Fabio ainda frequenta a favela Pantanal e acompanha a vida dos meninos, por quem é reconhecido carinhosamente como “o tio da foto”. Ele tem o costume de presentear os personagens que fotografa com imagens impressas, hábito que permite construir elos de afetividade.
Outra história com crianças foi desenvolvida no Cemitério do Caju. Fabio registrou o trabalho de meninos que limpam os túmulos do cemitério em troca de dinheiro. Essa história, publicada originalmente na revista VICE, rendeu a ele a premiação no 210 Concurso Latino-Americano de Fotografia Documental “Los Trabajos y los Días” e o Prêmio MPT de Jornalismo, promovido pelo Ministério Público do Trabalho. As imagens são cuidadosamente enquadradas de maneira a não mostrar o rosto dos meninos.
“Essa não foi uma história simples de fazer. Aqueles meninos moram na favela ao lado do cemitério e antes de começar a fotografar eu tive de pedir permissão aos chefes do tráfico, explicar o que queria fazer. Nada cai do céu. É preciso insistir na história, mesmo sem perspectiva imediata de retorno”, esclarece o fotojornalista.
Prostitutas e imigrantes
Outra história em profundidade foi desenvolvida na Vila Mimosa, bairro de prostituição situado na zona Norte do Rio. Para realizar a matéria publicada na revista VICE Brasil em 2016, Fabio passou sete meses indo cinco dias por semana à Vila Mimosa, onde ficava do final da tarde até a meia-noite. Foi essa presença constante que lhe permitiu entrar na intimidade das prostitutas e registrar cenas de forte impacto.
A publicação das imagens não significou o fim da série. Ele continua a frequentar a Vila Mimosa em busca de novas histórias. O mesmo ocorre no caso do projeto de documentação de imigrantes africanos do Congo no Rio, comunidade que se concentra nas favelas de Barros Filho e Brás de Pina. Iniciada há quase três anos, a série já rendeu publicações na BBC e na Al Jazeera.
No processo de aproximação, ele fez amigos e trocou aulas de fotografias por aulas de lingala, língua falada no Congo. O próximo desdobramento esperado é contar a história de um dos imigrantes que se formou em Medicina. “Ir em busca dessas histórias é algo que foi decisivo na minha formação como ser humano. De cada novo encontro, saio mais experiente. Aprendi com o tempo que você tem que escutar mais do que fotografar. É preciso estar aberto às histórias de vida dos outros e a conversa é o melhor jeito para que essa aproximação aconteça”, explica Fabio.
Embora se dedique com maior entusiasmo aos projetos de longa duração, ele também se destaca na cobertura de pautas pontuais. Exemplo disso é a foto publicada na reportagem “Tiroteios, mortes e invasões dominam o Complexo do Alemão”, na VICE Brasil, em abril de 2017, com a qual ele ganhou o 390 Prêmio Vladimir Herzog e o 50 Prêmio Petrobras, ambos na categoria Fotojornalismo. Para fazer a imagem, que mostra um soldado do BOPE levando um suspeito (por ilusão de óptica, parece que o policial carrega apenas uma cabeça), Fabio aproveitou o fato de conhecer o local e se posicionou em um lugar diferente dos demais colegas que faziam a cobertura.
Mercado escasso
Fabio Teixeira conta que o mercado no Rio de Janeiro é escasso e muito fechado. Ele sente que muitas indicações estão mais baseadas em relações de amizade do que na qualidade do trabalho. “Os fotógrafos de agências em geral estão muito presos às pautas que recebem diariamente e não têm tempo de investir em novas histórias. Os fotógrafos de redação muitas vezes acabam se conformando a esse modelo também. Para mim, o fotojornalista não pode ficar restrito às pautas que recebe, tem que ir atrás das histórias, buscar o que ninguém faz. Em qualquer parte do mundo tem histórias interessantes para contar, basta procurar, investir e insistir”, opina.
Atualmente ele tem publicado bastante em veículos de fora do Brasil e essa busca pela diversificação da clientela ampliou seus horizontes. Fabio Teixeira explica que o mais importante na hora de apresentar uma pauta é entregar as imagens acompanhadas de informações: um texto de apresentação e legendas detalhadas para cada foto. “O jornalista tem um compromisso com a informação. Sempre que se vai propor uma pauta, é preciso ao menos apresentar as informações essenciais para qualquer reportagem: quem, quando, onde, como e por quê. No jornalismo, o conteúdo informativo é mais importante que a estética. Uma foto fraca com bastante informação tem interesse jornalístico, enquanto uma bela imagem desprovida de informação, não”, ensina.
Mesmo tendo publicado em diversos veículos e recebido várias premiações, ele comenta que ainda hoje precisa fazer trabalhos comerciais e até coberturas de casamento para complementar a renda. E o interesse pelo cinema, que vem desde cedo, não arrefeceu. Ao contrário: ele tem saído a campo com duas câmeras, uma para fotografar e outra para filmar, além de microfone profissional para captação de áudio. Segundo ele, é possível pensar e produzir imagens nos dois suportes praticamente ao mesmo tempo. “Quando se vive de frilas, você tem que ser capaz de fazer loucuras”, argumenta.
Ele trabalha com equipamento Nikon e apenas com objetivas fixas e justifica a sua preferência: a versatilidade da objetiva zoom não é páreo para a luminosidade e a leveza da fixa. Sua lente com distância focal predileta é a 35 mm, que permite abrir a cena para incluir elementos do ambiente sem os exageros e as distorções de lentes como a 20 mm ou a 24 mm.
Recentemente, Fabio deu início a um projeto de documentação de portadores de hanseníase. Ele tem ainda um filme de curta-metragem sobre artistas de rua em fase de finalização. Também vem dedicando parte do tempo a um curso de Direção de Fotografia e pretende aprender mais sobre edição de vídeo. Com tantas histórias em andamento e tantos planos para o futuro, é um grande exemplo de como a fotografia pode transformar vidas.