Nascida há 34 anos em Curitiba e hoje radicada em São Paulo, Fernanda Eisfeld constrói uma trajetória nômade que une fotografia, arquitetura e ancestralidade. Com um trabalho que se espalha por territórios e continentes, ela transforma a câmera em instrumento de escuta dos espaços, desenvolvendo o conceito de “documentação afetiva dos habitats”. Sua relação com a imagem vem da infância, entre álbuns e negativos em vidro do avô fotógrafo – que rifou sua câmera para pagar o casamento com a avó, gesto sem o qual talvez a própria Fernanda não existisse. Essa herança familiar a fez compreender que as imagens carregam muito mais que registros: contêm gestos, cheiros, silêncios e memórias que insistem em persistir.
Sua imagem “Oxum nos Lençóis Maranhenses“, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um still cinematográfico que transcende sua origem para tornar-se um poderoso símbolo de resistência. Capturada durante as filmagens do filme Mocambo, de Gustavo Havelange, a fotografia documenta o encontro entre corpo e território onde a presença de Oxum – orixá das águas doces – reverbera na vastidão branca e líquida dos Lençóis Maranhenses, evocando cura, fertilidade e proteção. Por trás da beleza onírica, no entanto, ecoa a tensão silenciosa de um Maranhão amazônico onde comunidades e territórios tradicionais enfrentam ameaças de grilagem, desmatamento e monocultura. O trabalho sintetiza perfeitamente a prática de Eisfeld: um gesto simultaneamente poético e político para preservar, em luz e cor, aquilo que insiste em sobreviver frente à destruição.
Conheça mais sobre esta jornada entre arquitetura, cinema e memória ancestral na entrevista que segue.


Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Nasci há 34 anos em Curitiba e, hoje, vivo em São Paulo. Meu trabalho se espalha por diferentes territórios e continentes, entre deslocamentos, campos e cidades. Minha morada está onde encontro histórias e paisagens para registrar.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Durante a infância, entre caixas e álbuns do acervo do meu avô, com negativos em vidro e película da década de 1940 e 1950, que guardavam mundos inteiros em pequenos retângulos de luz e sombra, imergi na fotografia. Meu avô trabalhou como fotógrafo antes de tudo, mas rifou sua câmera para pagar o casamento com minha avó. Talvez eu não existisse, sem tal desprendimento. Mas a ancestralidade é forte, e compreendi que imagens são mais que meros registros: contém gestos, cheiros, o silêncio de um lugar. Como arquiteta e urbanista, aprendi a ler espaços; com a câmera, aprendi a escutá-los para criar uma documentação afetiva dos habitats, preservando o que o tempo tenta apagar, mas a memória insiste em manter.


Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Oxum nos Lençóis Maranhenses foi documentada durante as filmagens do filme Mocambo, de Gustavo Havelange. É um still, mas carrega a intensidade de um retrato vivo, o encontro entre corpo e território. A presença de Oxum, orixá das águas doces, reverbera na vastidão branca e líquida dos Lençóis, evocando cura, fertilidade e proteção. Por trás da beleza, existe a tensão silenciosa de um Maranhão que, em sua porção amazônica, vê comunidades e territórios tradicionais ameaçados pelo avanço da grilagem, do desmatamento e da monocultura. A fotografia é, assim, tanto memória quanto resistência: um gesto para preservar, em luz e cor, aquilo que insiste em sobreviver..
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
No momento, estou trabalhando em dois projetos: um fotolivro com imagens e relatos da expedição de carona de Berlin à Pequim – Buscando a bondade pelo mundo, realizada com meu irmão em 2018; e também estou realizando uma pesquisa documental sobre a transformação da paisagem urbana de Curitiba através do tempo, refazendo as fotografias do meu avô nas mesmas localidades e analisando o que ainda resiste.
Sigo próxima a comunidades tradicionais e locais, pesquisando o habitat como formas híbridas de narração: entre a fotografia, desenhos e a palavra. Seguirei registrando esses territórios, construindo um arquivo vivo de afetos, memórias e resistências. Um alento para novos mundos possíveis.