Assim como os raios de luz se registram sobre a película ou o sensor fotossensível da câmera fotográfica, a passagem do tempo se imprime nas fachadas de casas e edifícios. Durante uma viagem à Grécia, Fernando Lorenz observou com especial atenção a ação do tempo nas construções. O resultado está registrado no Ensaio “Moradas Envelhecidas”, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024.
Dono de uma extensa produção documental em P&B iniciada em 2013, Fernando Lorenz se atrai pelo tema urbano, cultural e de espaço social. Entenda um pouco mais sobre seu percurso na entrevista que segue.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 61 anos e moro na cidade de São Paulo, onde nasci. Sou empresário e sócio-proprietário da Revista Eletrônica há mais de 30 anos.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Minhas primeiras fotografias foram feitas nos anos 1970 e 1980 com uma câmera analógica muito barata chamada Tuka, fabricada pela DFV. Usava essa câmera para registrar momentos quando morava no litoral paulista e praticava skate, surf… durante viagens e ocasiões com a família.
Saí de São Vicente, no litoral e passei a morar sozinho muito cedo já em 1983, com 20 anos. Precisava terminar o colegial, prestar vestibular e ingressar na faculdade. Atraído pela capital paulista, fui morar numa kitchenette alugada no Edifício Copan, no centro da cidade. Junto com isso vieram as obrigações de “dono-de-casa” independente e o trabalho assalariado. Estudava à noite e trabalhava durante o dia. Portanto, tempo livre zero para fotografia junto com restrições financeiras a partir de então. Isso me afastou da fotografia. Mas, hoje sei que tudo tem o seu momento certo.
As duas últimas vezes em que usei aquela câmera foram na África do Sul, em 1985 e 1987, onde fiz belas fotografias. Sempre fui muito corajoso por viajar sozinho para bem longe de casa e até hoje faço isso.
Após tantos anos, a máquina fotográfica Tuka ficou velha, suja, era de plástico e nem sei que fim levou, depois de tantos anos.
Entre 1985 e 1987, tive de trabalhar e estudar, e por razões financeiras precisei voltar a morar com a família entre os 23 e 25 anos de idade.
No início dos anos 1990, passei por longo período de instabilidade em empregos. Foi uma fase muito difícil de incertezas e sequer podia pensar em fotografia. Portanto, disponibilidade zero para comprar câmera nova e rolos de filmes.
Trabalhei muito desde então, me preparei e construí o meu patrimônio.
Somente em 2013 recomecei a viajar e com a vida feita decidi viajar e voltar a fotografar. Meu retorno à fotografia se deu já na era digital. Comprei uma câmera Canon EOS60D com uma lente 18/200mm e uma outra lente 60mm macro, que algum tempo após dei a um sobrinho. Eu senti necessidade de uma câmera full-frame e então comprei uma 5D Mark III que uso até hoje alternadamente com uma 5D Mark IV bem mais recente. Hoje, tenho um conjunto amplo de lentes para essas duas câmeras, entre tripés, disparadores remotos, etc.
Tenho bastante livros sobre fotografia e sempre os leio, folheio e releio cá e acolá um tópico ou capítulo inteiro. Gosto de reler livros lidos. As viagens se tornaram frequentes. Me distraem, enriquecem, informam e me fazem pensar. Um fotógrafo precisa ler sobre o assunto não apenas como abordagem técnica, mas como cultura. E faço isso.
A fotografia exerce, para mim, um papel altamente estimulante e realizador. É dentro dela que me abstraio de todo o resto ao redor, que me encontro comigo mesmo. É com a fotografia que descubro novos horizontes, assuntos e os trago até as pessoas como registros visuais polidos pelo manuseio dos contrastes, pela dosagem pessoal do tratamento desses registros para que a eles se agreguem conferindo maior sentido estético e revelando um grau de beleza aperfeiçoado que dão a eles a minha tônica, meu estilo pessoal.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
“Moradas Envelhecidas” é um ensaio fotográfico composto por oito trabalhos que narram o efeito do tempo, dos abalos sísmicos, da aridez extrema, do sol, das maresias, das chuvas, dos ventos e também as consequências do abandono de um certo lugar à sorte dessas condições. Em “Moradas Envelhecidas” vemos a conjunção de fatores naturais em ação sobre casas e construções ao longo do tempo. Um trabalho obtido em percurso por localidades do centro de Atenas, Xaniá, Naxos e Míconos, no inicio de outubro de 2019, quando viajei à Grécia pela primeira vez.
A proposta é mostrar através da linguagem monocromática do Preto & Branco a visualidade dos contrastes nas superfícies e detalhes de texturas e formas daquilo que é registrado fotograficamente, cujo tema principal é justamente esse: a combinação da ação do tempo e da natureza sobre a matéria nas construções.
Com esses ingredientes ao tratar a fotografia neste ensaio, a historicidade revelada com impacto visual nos faz imaginar e questionar subjetivamente possibilidades sobre o passado, o presente e o futuro do que foi fotografado e que reações podemos ter através da obra. “Moradas Envelhecidas” traz oito documentos visuais que registram com beleza estética e refinamento imagens que se tornam ainda mais curiosas e interessantes ao olhos do observador, seja pelo o que cada uma contém na composição como significante, seja pela cultura arquitetônica de cada construção e pelo contato que proporciona a quem enxerga o ensaio como possibilidade de conhecimento, de informação.
O tema se encaixa na minha fotografia justamente pelo tema urbano, cultural e de espaço social que gosto de fazer. Entretanto, minha fotografia não se ocupa exclusivamente deste tema, mas de muitos outros e outras coisas dentro do contexto urbano, cultural e social, pois minha fotografia é uma atividade ampla que abarca com ecletismo a vida contemporânea.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Neste momento estou me dedicando a questões editoriais para a publicação de livros e montagem de exposições. Este é o projeto que estou iniciando agora.
Acho que é o momento de mostrar e oferecer minha fotografia.
Simultaneamente, mantenho viagens constantes, pois são a bagagem cultural da minha fotografia. Por exemplo, minha próxima viagem ainda em 2024 será ao Japão onde caminharei fotografando por quatro cidades: Tóquio, Osaka, Kyoto e Nagoya. Em 2025, tenho outras viagens programadas. Portanto, muito material para o processo de curadoria para livros e exposições que desejo fazer. Espero que os próximos anos sejam movimentados por exposições e lançamentos de livros. É para onde dirijo minha dedicação e motivação agora.