Com 35 anos recém-completados, Gabriel Wickbold é um dos maiores fenômenos da fotografia brasileira na atualidade. Em 2019, ele já expôs em Portugal, Reino Unido e Emirados Árabes – onde foi escolhido como um dos quatro homenageados no festival Xposure. Fora isso, é dono de uma galeria (confira o box), na qual comercializa o seu trabalho e o de fotógrafos estrangeiros. Essa segunda atividade o leva a ser presença constante em feiras de arte, como SP-Foto, no Brasil, Art Basel Miami, nos Estados Unidos, e ESTe Art, no Uruguai.
Mas Wickbold, herdeiro da tradicional fábrica de pães que leva o nome da família, conta que se sente realizado mesmo é no momento da criação. No trabalho que faz em estúdio, o corpo humano se transforma em anteparo para experimentações e reflexões. Suas séries têm um forte impacto visual e, ao mesmo tempo, estão estruturadas em torno de propostas conceituais – nada é gratuito, arte pela arte.
Da poesia à fotografia
Antes de descobrir na fotografia a realização plena, Gabriel Wickbold passou pela poesia e pela música. A poesia o despertou para a observação do mundo, enquanto a música trouxe a experiência da direção, já que ele atuou como produtor musical, conduzindo os músicos para a sonoridade desejada em cada caso.
A grande transformação se deu em 2006, quando ele partiu em uma viagem para percorrer o Rio São Francisco da nascente à foz. Nesse percurso, a fotografia deixou de ser hobby e passou ao primeiro plano. “Me senti pela primeira vez realizado como artista e entendi que ali poderia mudar ou conduzir a forma com que as pessoas encaram a vida, me senti puro e verdadeiro, sem ter que fazer o mínimo de esforço para aquilo acontecer”, lembra.
A revelação se deu pela descoberta da fotografia como ferramenta expressiva e, ao mesmo tempo, comunicativa. Wickbold entrou na casa das pessoas para fazer retratos e descobriu um Brasil formado por gente generosa e acolhedora, capaz de sorrir e bem receber mesmo em situações muito precárias. “Retornei dessa aventura transformado, triste de ver as condições em que grande parte dos brasileiros se encontrava, mas com uma fé na humanidade por sua empatia”, recorda.
O impacto da viagem fez com que Wickbold se reinventasse. O primeiro passo foi criar um estúdio de fotografia no mesmo espaço em que mantinha o estúdio de música. Ali começaram as experiências, sempre como autodidata. “Nunca fui assistente de fotógrafo. Simplesmente comecei. Foi na cara e na coragem que fotografei moda, publicidade, retratos, e minha forma de trabalhar os arquivos era diferente, as fotos tinham uma textura minha, o que logo ficou como a minha assinatura em estúdio”, comenta.
Depois de um ano aprendendo na prática e fazendo um pouco de tudo, Wickbold se deparou com o que seria uma das grandes marcas do seu trabalho: a utilização de pigmentos para a produção de retratos em estúdio. A ideia de fazer um trabalho com tintas surgiu de um amigo. Logo na primeira sessão de fotos ele sentiu que se abria ali um longo caminho para pesquisas e experimentações, que culminou, em 2009, com a série Sexual Colors, na qual o rosto humano é usado como tela e sofre mutações inesperadas.
Homem e natureza
O trabalho de Gabriel Wickbold parece se desenvolver de maneira orgânica. Uma série conduz a outra. Quando fotografava para a série Sexual Colors, reparou que a tinta guache secava e trincava, criando superfícies áridas no corpo dos modelos. Daí nasceu a ideia para uma série que trata da relação do homem com a natureza.
Para a série Naïve, de 2010, ele pintou o rosto dos modelos com tinta branca e esperou secar para obter a textura desejada, para então sobrepor elementos colhidos na natureza, com um colorido peculiar. “Quis chamar o homem de Naïve, ou ingênuo, por se achar superior à natureza. Coloquei-o seco e sereno, cada cabeça buscando equilibrar-se com o elemento. A natureza sempre acima do homem. Aí entendi como construir uma instalação humana”, constata.
As pesquisas estéticas de Wickbold costumam envolver a dimensão da performance. Em alguns casos, não são somente os modelos que participam da elaboração material das obras. Como na série Sans Tache, que em francês significa “sem marcas”. A proposta inicial era a de retratar o corpo humano em sua beleza imaculada. Para tanto, ele fotografou os modelos de corpo inteiro sobre fundo negro.
Após imprimir as imagens em tamanho real, resolveu interferir diretamente nas impressões e passou a pesquisar técnicas de envelhecimento de papel. Foi então que descobriu a prática da “grilagem”, que consiste em envelhecer artificialmente documentos forjados para conseguir posse de uma determinada área de terra.
Esse “envelhecimento” é feito por meio da ação de grilos, que estão na origem do termo “grilagem”. Ao colocar papéis em uma caixa fechada com grilos, os insetos se alimentam do papel e suas fezes e urina contêm um elemento ácido que amarela e corrói a superfície, dando uma aparência de envelhecido.
Wickbold transpôs essa prática para as obras da série Sans Tache e incorporou ainda outro procedimento, a queima do papel com maçarico. E assim os corpos imaculados emergem ao final cheios de marcas e cicatrizes, que simbolizam a ação do tempo.
Sufocamento e explosão
As séries mais recentes, I Am Online, de 2016, e I Am Light, de 2018, parecem se sustentar em princípios opostos. Na primeira há uma sensação de sufocamento, causada por fios que envolvem os rostos. Na segunda, há uma explosão de luzes e os rostos parecem se expandir e se desintegrar.
I Am Online nasceu a partir de inquietações acerca do vício em tecnologia, redes sociais e informação. “A geração de nativos digitais tem muita dificuldade em se desconectar. Vivemos um paradoxo, pois mentimos e somos enganados constantemente nas redes sociais, nessa luta incessante por comer bem, viajar, ser bem-sucedido, bom pai e por aí vai. Começamos a sofrer muito com esse conceito de vida perfeita. Quis fazer uma crítica a tudo isso e me colocar na primeira pessoa. Digital, conectado e enrolado nesse emaranhado de linhas e conexões que nos sufoca”, explica.
Depois de viver intensamente essa série, Gabriel Wickbold reservou um tempo para meditar e foi para um retiro espiritual. “Como em um clarão, algumas fichas caíram para mim. Entendi que nada disso importa, nós somos um universo de possibilidades, somos seres de luz. E nossa missão como seres humanos é nos conectar profundamente com essa energia, nosso propósito”, filosofa.
Daí nasceram novas experimentações que desembocaram em I Am Light, série na qual os retratados são representados como seres de luz. Para obter o resultado, ele pintou os corpos de negro e os cobriu de glitter. Por meio da combinação de flash com luz contínua, conseguiu obter uma textura impressionante, que dissolve a luz refletida em diversos rastros ao mesmo tempo que conserva as feições humanas. “Considero que o resultado serviu também como uma forma de fechar esse ciclo de 12 anos de trabalho. Entendi que fotografar é mesmo pintar com a luz”, define Gabriel Wickbold.
Fotógrafo e empreendedor
A partir de 2015, o estúdio de Gabriel Wickbold em São Paulo (SP) se tornou também galeria. Ele queria ter um espaço para que colecionadores de arte se encontrassem com os artistas para dialogar. De lá para cá, já acrescentou ao portfólio a representação de quinze fotógrafos estrangeiros de renome no mercado internacional, dentre eles David Yarrow, do Reino Unido; Russell James, da Austrália; Christy Lee Rogers; dos EUA; Marius Sperlich, da Alemanha; Sebastian Copeland, da França; Marcel Van Luit, da Holanda; Donald Boyd, da Islândia; e David Ballam, da África do Sul.
Apesar do talento como empreendedor, Wickbold prefere os momentos de criação. “Atualmente, o artista tem a oportunidade de ser completo, no Instagram ele faz a curadoria das imagens, compõe os textos que quer, fala com o público final e pode facilmente realizar vendas. Ficou muito mais fácil começar, mas, pelo volume de imagens que vemos todos os dias, também ficou mais fácil se perder e difícil de se destacar”, argumenta.
Ele conta que, sempre que conversa com jovens fotógrafos, tenta mostrar que é preciso ter um corpo de trabalho coeso e tempo para evoluir dentro da temática escolhida. “Isso só vai acontecer com o exercício diário da fotografia, que é um trabalho que só evolui com repetição. E, para as imagens transcenderem, elas precisam de um tema por trás, uma pesquisa. Para ser original, basta pensar que somos seres únicos e cada um tem sua forma de se conectar criativamente. Pegar o caminho mais fácil e imitar o trabalho de alguém só enaltece o original. Não pegue esse caminho”, ensina.