A mais descolada fotojornalista na cobertura política em Brasília (DF) na atualidade tem apenas 31 anos, nasceu em São Paulo (SP), é formada em Jornalismo pela PUC paulistana, foi capa da revista Marie Claire recentemente e mostra a dureza da profissão em divertidas lives no Instagram, no qual tem quase 32 mil seguidores. Quando Gabriela Biló aponta sua lente para Jair Bolsonaro é quase certo que virá uma grande foto. Dependendo da imagem, pode provocar centenas de comentários nas redes sociais, a favor ou contra, já que tudo que envolve o polêmico presidente da República é lenha na fogueira da intolerância que move seus apoiadores e seus detratores.
A fotografia entrou na vida de Biló (assim que ela gosta de ser chamada) quando ela fazia faculdade. “Durante o curso, experimentei várias áreas do Jornalismo e percebi como me identificava com imagens em geral. Era a maneira em que mais conseguia me expressar. Comecei a cobrir diversas pautas como frila, ao me formar, vi que era o que mais gostava de fazer. Podia passar horas, dias fazendo isso sem perceber como trabalho”, comenta a fotógrafa.
O primeiro contato profissional foi com a Futura Press. Biló colaborou com a agência paulistana e chegou a trabalhar como pauteira. Nessa época, diz que aprendeu sobre linguagem, senso de pauta e prioridades do ofício. Aos poucos, foi percebendo o quanto queria estar na rua, e não pautando fotógrafos. Assim, deixou gradualmente a fotografia ir ocupando mais espaço. “Foi na cobertura das manifestações de junho de 2013 que meu material chamou a atenção. O editor do Estadão me chamou para um café e estou lá desde essa época”, informa.


Desafio é com ela
Biló se define como uma pessoa curiosa, ativa e que adora desafios. Para ela, isso a mantém interessada, quebra a rotina e a monotonia. Diz que aprendeu a manter a cabeça fria e a entender que suas vitórias podem durar poucas horas, e as derrotas, anos. “Aprendi a confiar mais em mim”, diz. Confiança é fundamental para outros desafios da profissão para uma mulher, entre eles, perrengues, menosprezos, assédios e até ameaças.
Segundo Biló, ocorre bastante, pois é como se ela ocupasse um espaço que não fosse dela. “Constantemente implicam comigo porque estou posicionada no lugar errado, estou atrapalhando… sendo que em cem por cento das vezes tem um homem na mesma situação que eu, mas ninguém enche o saco dele”, desabafa. Alega ainda que muitas de suas vitórias são atribuídas a algum favor sexual que teria feito ou sedução, e não ao profissionalismo. “Já tremi muito de raiva por causa de machismo no cotidiano de trabalho. Hoje consigo responder, mas nem sempre. Às vezes o machismo me pega desprevenida”, comenta.
Ela é hoje a única fotógrafa do Estadão e a única mulher cobrindo política em Brasília. Esclarece que o jornal lhe dá muito espaço para criar e tem apostado nela. “Acho que cabe a todos nós estimular mais mulheres no fotojornalismo e desmitificar que é uma profissão de homens, combater o machismo”, opina. Mas, antes de ser estabelecer na capital federal, passou por um momento de muita insegurança e chegou a achar que perderia o emprego no Estadão.


Michel Temer com lente emprestada
Então baseada em São Paulo, ela foi escalada para ir a Brasília um dia antes do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em agosto de 2016. A ideia era que Biló fizesse alguns retratos de políticos, área em que ela é especialista. Missão cumprida, no dia seguinte ela foi registrar fotos no plenário com uma tele de 600 mm e deixou o material para retratos no hotel. Já estava acabando o dia quando ligaram do jornal pedindo um retrato urgente do vice Michel Temer, que assumiria a presidência da República, para a primeira página do Estadão.
“Quase entrei em pânico. Não dava tempo de ir ao hotel pegar o equipamento de retrato porque havia sido marcado um horário no Palácio do Jaburu (residência do vice-presidente) para a foto do novo presidente. Cheguei lá muito nervosa e me disseram que eu teria dois minutos para fazer a foto. Peguei uma 50 mm emprestada de um colega e por sorte tinha um flash na bolsa e um disparador remoto. Pedi para outro colega segurar o flash ao lado de Temer para uma iluminação lateral, enquadrei e pronto. Achei que não tinha ficado legal, mas não teve segunda chance. Logo depois começaram a me ligar do jornal e eu achei que ali seria o fim. Perderia o emprego. Mas não tinha jeito, mandei a foto e me preparei para o pior”, lembra ela.
Algum tempo depois, que ela nem tem ideia dado seu nervosismo, recebe nova ligação da redação. Em vez de uma bronca, parabéns. A foto sairia em página inteira na primeira página do Estadão. “Essa foto foi o divisor de águas. Aquela adrenalina toda me fez amar a cobertura política. Em 2018, quando foi feito o planejamento para eventos importantes, como cobertura da Copa do Mundo na Rússia e a posse do novo presidente em janeiro de 2019, eu me prontifiquei a estar na posse no dia 10 de janeiro. Dois dias depois, quando voltei para São Paulo, pedi uma reunião com meu editor e, antes que dissesse algo, ele se adiantou: ‘Já sei, você quer cobrir política em Brasília, né?’. Acabou dando certo e aqui estou eu”, conta Biló.


de Gabriela Biló
Foco em Bolsonaro
Fã declarada da fotógrafa americana Annie Leibovitz e apegada ao retrato, ela diz que tenta transferir isso para a cobertura diária que faz. Dos colegas que encontra nas pautas sobre o poder quase todo dia, cita o mestre Orlando Brito, para ela a maior referência de fotografia de política do Brasil, e seus grandes amigos e parceiros Pedro Ladeira (Folha de S.Paulo), Jorge Willian e Pablo Jacob (O Globo) e Sergio Lima (hoje freelancer). “Essas pessoas não só me ouvem chorar as pitangas diariamente como comemoram comigo minhas vitórias e me ensinam generosamente a maioria dos macetes fotográficos de Brasília”, afirma.
Ao ter o presidente Jair Bolsonaro como personagem principal de seu foco, Gabriela Biló comanda um Instagram agitado, pois sempre há comentários a favor ou contra suas fotos em virtude da polarização política atual, fora agressões verbais e até ameaças. Mas ela contemporiza: “Isso sempre aconteceu, independentemente do governo. Já lidei com isso em outros tempos, tanto ameaça física quanto virtual. A diferença é a intensidade dos ataques na internet. Acho que as fotos mais polêmicas foram a do Bolsonaro apontado o dedo para a cabeça do Moro, a do Bolsonaro tossindo quando começou a pandemia e uma recente do Bolsonaro na ponta da lança de militares. Nunca tive qualquer problema com o Estadão, que se posiciona sempre a favor do bom jornalismo”, esclarece.
Alegre e divertida, Biló também tem posições bem fundamentadas de ativista do feminismo. Uma delas é odiar o termo “olhar feminino” para diferenciar a fotografia feita por mulheres e homens. “Acho o termo machista e segregador. Quase uma justificativa para o pouco espaço que temos na fotografia, como se fôssemos diferentes profissionalmente. Não creio que exista um olhar feminino, existem caminhos que nós mulheres encontramos para trabalhar em uma sociedade que diferencia nosso trabalho pelo gênero. Minhas fotos não são delicadas, não tenho ‘sensibilidade feminina’, tenho sensibilidade fotográfica”, dispara ela.


Capa de revista e ataques na rede
A revista feminina Marie Claire, da Editora Globo, dedicou sua edição de julho/agosto de 2020 para mulheres jornalistas brasileiras. Entre nomes como Flavia Lima (ombudsman da Folha de S.Paulo), Claudia Colucci (também da Folha), Maju Coutinho, (TV Globo), Andréia Sadi (GloboNews, G1 e CBN), Clarissa Oliveira (TV Band, Bandnews e Rádio Bandeirantes), estava o de Gabriela Biló.
A revista teve várias capas da mesma edição, cada uma com uma das personagens entrevistadas. Na sua entrevista, Biló falou sobre ataques que sofria de bolsonaristas nas redes sociais, pois em junho havia sido alvo de uma ação ilegal com a divulgação de seus dados pessoais e do endereço de seus pais no Twitter por uma conta chamada Black Dog.
Profissional de uma geração que usa as redes diariamente, Biló acredita que são ferramentas de democracia de informações, “para o bem e para o mal”. Para ela, é um diferencial de visibilidade, de expressão de linguagem e que não deixa o fotojornalista restrito a uma imagem impressa. “A regra é simples: se manter informativo e, se não for colunista, evitar opiniões. Nas redes sou mais técnica, legendas com data, local e personagem. Mais que isso, está nos olhos de quem vê”, comenta.


Biló defende que interpretar é livre para todos, não é papel dela dizer o que cada um deve enxergar nas fotos. Quanto aos ataques nas redes, a diferença é que ficaram mais personalistas, comenta. “Mas isso independe de você usar ou não as redes sociais. Muitos jornalistas que não usam as redes são atacados por suas matérias, não depende da presença on-line”, observa. Ela conta que sofre muitos ataques de bolsonaristas, mas há também fãs do presidente que elogiam seu trabalho. “Como fotojornalista, cubro o poder, a democracia, não especificamente o Bolsonaro. Poderia ser outro e faria fotos do mesmo jeito. Isso é que precisa ser entendido”, explica.
Ela nunca falou com o presidente ou esteve próxima dele, a cobertura é feita a distância, com teleobjetiva. Mas revela que recentemente um ministro do atual governo, que prefere não revelar o nome, foi até ela e sussurrou no seu ouvido: “Admiro muito seu trabalho”. Biló comemorou com um sorriso debaixo da máscara essa pequena, mas importante, vitória.
