Como grande parte dos fotojornalistas, Ian Cheibub começou sua trajetória cobrindo hard news, pautas de interesse pontual e muitas vezes de caráter sensacionalista, que atraem instantaneamente o leitor / consumidor e no dia seguinte são esquecidas, no fluxo incessante do noticiário. A demanda pela rapidez acima da qualidade e da profundidade passou a incomodar o fotógrafo, levando-o a investir em histórias com mais tempo, calma e recursos.
Surpreendido pela eleição de Bolsonaro em 2018, acompanhada pela ascensão vertiginosa de ideias da extrema direita no debate público, Ian Cheibub decidiu investigar a fundo a natureza desse fenômeno, tendo como ponto focal as religiões evangélicas. O resultado dessa investigação é o projeto Golgotha, que envolveu registros realizados em diversas partes do Brasil.
Um recorte desse trabalho está entre os finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024. Entenda a gênese a abordagem de Golgotha e conheça um pouco mais sobre o trabalho de Ian Cheibub na entrevista abaixo.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 25 anos, vivo e trabalho no Rio de Janeiro.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Eu comecei a fotografar cobrindo pautas de hard news para pequenas agências no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, sempre desenvolvi meus projetos autorais em paralelo. Eu acordava às 5 horas da manhã, pegava várias conduções de Niterói, onde eu morava, para o Rio. Como a demanda pela rapidez das fotos era maior do que a demanda pela qualidade, isso sempre me incomodou no jornalismo. Aos poucos eu fui deixando o hard news de lado e apostando em histórias com mais tempo, calma e recursos.
A fotografia se mistura muito com a minha vida e a minha prática artística. Eu vejo a foto como uma lupa que me permite olhar com mais atenção para os eventos e processos que me intrigam. A partir dela, eu começo as investigações na minha pesquisa. Nesse sentido, é muito importante no meu processo utilizar a fotografia também como uma forma de construir pontes e quebrar estereótipos.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
O Golgotha é um trabalho que eu venho desenvolvendo desde 2018. Com a vitória do Bolsonaro, eu e uma grande parte do Brasil se perguntou como isso era possível e os motivos que o explicavam. Ao invés de defender uma ideia fechada na minha cabeça, eu fui tentar entender como esse processo (de convencimento, hegemonia e cultura) se deu. Para mim, os evangélicos eram a parte mais importante disso tudo, e eu me recusava a defender a narrativa do “crente ignorante enganado pelo pastor”, até porque isso implicava em dizer que metade do meu país era ignorante ou fascista.
Desde o início eu sabia que era um movimento muito mais complexo, plural e não-linear. A partir disso, eu voltei para a minha pesquisa de vida, que é entender como as Brasilidades (invenções de formas de existir que são particulares do Brasil para que a vida seja possível) mudam, se adaptam e subvertem a cultura que vem de fora, para uma outra coisa particularmente nossa.
Concomitantemente, eu fui comissionado por uma revista alemã para fotografar e produzir uma grande reportagem sobre esse tema. Nesse período, eu pude viajar para grande parte do Brasil para conhecer como diferentes comunidades expressavam o que era ser evangélico hoje. O que eu pude constatar é que 1- não existe uma noção “pura” do crente, 2- cada região/povo se apropria dos seus próprios universos, problemas, soluções para adaptar o que é seguir os caminhos de Jesus para suas próprias realidades. Ao longo do trabalho, documentei comunidades indígenas na Amazônia e no Cerrado, periferias de Salvador, traficantes evangélicos no Rio de Janeiro, os fiéis da igreja do Silas Malafaia, a bancada evangélica em Brasília, um grupo para-militar evangélico na Amazônia, entre outros.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Junto com o Golgotha, atualmente eu estou desenvolvendo um projeto chamado de Alumbre na Macaia. Eu sou a quinta geração de uma casa de Umbanda em Niterói, onde a minha avó é mãe de santo há mais de 60 anos.
Para contar a história da minha família, eu desenvolvi uma técnica em que eu utilizo o banho de ervas que utilizamos para nos purificar e proteger enquanto tecnologia ancestral nos próprios negativos que fotografo no terreiro, literalmente banhando-os antes de revelá-los. Nesse sentido, há um jogo duplo que intersecciona estética e poética. Por um lado, através dos banhos há uma visualidade marcada pelos acasos, rasgos e acidentes. Por outro, há o ato de banhar meus irmãos de santo, presentes em forma de luz nos negativos.
Com esse trabalho, quero lançar um livro e fazer exposições para os próximos anos.