J. Lee Aguiar começou a fotografar com apenas cinco anos de idade. Atualmente com 27 anos já tem uma produção considerável como fotógrafa, videomaker e produtora cultural. Considera a fotografia como uma ferramenta de conexão com a realidade e um exercício contínuo de construção da memória coletiva.
Foi do cruzamento da memória coletiva com uma vivência individual que nasceu a série “Atotô: um processo de cura”, finalista da categoria Ensaio do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023. O trabalho expõe o luto pela perda de seu pai, o jornalista Álvaro de Brito Duarte, morto por Covid-19 em 16 de junho de 2021. As imagens mostram o enterro, sua avó ao receber a notícia e sua mãe saudando Iemanjá.
Um ensaio corajoso, que exprime um ponto de vista pessoal ao mesmo tempo em que promove uma reflexão mais ampla sobre os impactos da pandemia na sociedade brasileira. Segundo levantamento da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas), o Brasil é o país em que mais morreram jornalistas no mundo.
Conheça um pouco mais do trabalho de J. Lee Aguiar e seus projetos atuais.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Sou jornalista, fotógrafa, videomaker e produtora cultural. Tenho 27 anos e sou de Goiânia, Goiás. Em relação ao meu trabalho, estou envolvida com fotografia, videografia e produção no coletivo de arte contemporânea Müquifü Cultural.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Eu comecei a fotografar muito nova, com apenas 5 anos de idade. Meus pais, que também são jornalistas, tinham um programa de ecoturismo e meio ambiente no SBT local, então eu acompanhava e viajava muito com eles, que logo perceberam e estimularam meu interesse pela fotografia.
Nessas viagens eu fotografava as pessoas que eles entrevistavam, as paisagens, a natureza e, com o passar dos anos, eu fui me interessando em fotografar a realidade social que atravessava as pautas ambientais. O interesse pela imagem foi crescendo com o tempo, até que entrei no curso de jornalismo e lá descobri a possibilidade de me tornar fotojornalista, ou como eu gosto de dizer, fotógrafa documental.
Minha trajetória profissional perpassa profundamente pelo desejo de retratar os movimentos sociais ligados aos direitos humanos, na perspectiva de trazer um olhar mais pessoal para as pautas jornalísticas.
A fotografia, para mim, é uma ferramenta de conexão com a realidade. Hoje eu percebo que a fotografia é um eterno exercício de construção da memória coletiva, onde eu posso me colocar como sujeito da história. No jornalismo a factualidade tende a afastar o sujeito fotógrafo dos temas de cobertura, mas, pessoalmente, eu busco sempre estar presente como agente dentro de todas as minhas coberturas e projetos documentais, algo que transforma profundamente a semiótica da minha produção.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
O projeto “Atotô: um processo de cura” é uma série documental sobre a morte do meu pai, Álvaro de Brito Duarte, jornalista morto por Covid-19 em 16 de junho de 2021. As fotografias foram tiradas durante o enterro, com caixão velado (respeitando as regras sanitárias do momento). O ensaio também é composto de retratos da minha avó ao receber a notícia da morte de seu filho mais novo e fotos de minha mãe saudando Iemanjá. Todos os registros foram feitos em Recife, Pernambuco.
O Brasil foi o país onde mais morreram jornalistas por Covid-19 no mundo, segundo levantamento da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas). Apesar da categoria ser uma das que não parou com o trabalho presencial durante a pandemia, a vacinação prioritária foi negada pelo Governo Federal durante meses, o que acarretou o alto índice de mortes.
Álvaro foi um jornalista brilhante, ganhou diversos prêmios de jornalismo ambiental durante sua carreira, sendo uma referência para a categoria em Recife, Goiânia, Brasília e Palmas, cidades onde trabalhou. Só na redação em que trabalhava, outros cinco profissionais morreram de Covid-19 na mesma época.
O projeto visa colocar a memória das vítimas da Covid-19 no centro do debate. “Atotô: um processo de cura” cria um ambiente fúnebre, corajoso e, ao mesmo tempo, acolhedor para que o público possa sentir esse luto coletivo, criando um processo profundo de reflexão sobre a pandemia e suas consequências para a sociedade.
O ensaio possui um caráter inegavelmente pessoal, porém, também traz a factualidade jornalística para o debate, algo que tende a ser recorrente em meu trabalho como fotógrafa documental.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente eu venho buscando me conectar com temas que, de alguma forma, atravessam minha individualidade. O projeto “Atotô: um processo de cura” foi um grande divisor de águas em minha produção artística e, apesar de todo o trauma, me fez perceber a potência de assumir que eu posso conectar o fotógrafo à pauta de cobertura.
Então, meus projetos atuais dizem muito sobre quem eu sou como pessoa. Estou realizando um projeto longo onde retrato os terreiros de candomblé da minha cidade, entrevistando os dirigentes destas casas e ouvindo seus relatos de como a espiritualidade permeia suas vidas.
Também estou editando um fotolivro, que está em fase de finalização, o “História nossa de cada dia”. O livro é composto por fotos de movimentos sociais como as manifestações contra o golpe da Dilma; Ocupações nas universidades contra a PEC-241; Protestos diversos contra a PEC em Goiânia e Brasília; manifestações pré-eleições de 2018; movimento LGBTQIA+; Movimento Negro e Indígena em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília; que aconteceram nos últimos 8 anos (2015 – 2022), com textos jornalísticos de apoio.
Além desses projetos, também estou focando em organizar coleções em fine art de minhas obras para disponibilizar em galerias e no mercado de arte contemporânea.
Para o futuro, tenho buscado formas de realizar ensaios documentais (misturando jornalismo e arte) sobre as comunidades indígenas e quilombolas da Região Centro-Oeste. Esse é um tema, em particular, que me interessa profundamente: a relação dos povos originários com a preservação ambiental e suas cosmovisões.