Como retratar o absurdo que se apresenta diante dos olhos de todos e ao mesmo tempo encontra-se naturalizado? Simplesmente fotografar o que se vê parece não ser suficiente. É o que demonstra o trabalho (Dis)Closure, de Josiane Dias, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024, na categoria Portfólio. As imagens foram captadas na Cisjordânia, território palestino ocupado, entre 2016 e 2018.
Josiane Dias levou um tempo até encontrar a melhor forma de expressar o absurdo de uma situação de repressão, opressão e, por outro lado, de resistência e resiliência. Por meio de um tratamento magistral, com cores carregadas e distorcidas, ela denuncia o aspecto surreal da situação e adiciona uma camada de criação artística às imagens documentais.
Conheça mais sobre Josiane Dias e seu trabalho criativo na entrevista que segue.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Eu tenho 58 anos. Moro e trabalho entre Brasília e São Paulo.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Sempre fui apaixonada por cinema e fotografia desde jovem. Nasci e vivi até os 28 anos em Curitiba, uma cidade onde faz muito frio e o meu refúgio sempre foi a biblioteca e a sala de cinema. Então, aos 15 anos, quando conheci os filmes de arte russos, alemães, franceses, espanhóis, suecos e americanos, descobri um novo mundo e uma nova paixão: a fotografia. Cursei, no secundário, o curso de Desenho Industrial no CEFET-PR (1982-1985). Foi um divisor de águas na minha vida. Tive acesso não somente às aulas de história da arte, composição, desenho, geometria como também a um laboratório de fotografia onde aprendi a revelar as fotos e entrar nesse mundo tão fascinante que é o da linguagem fotográfica.
Trabalhei 10 anos como desenhista de cartazes para teatro e exposições e os materiais utilizados eram basicamente a fotografia e a Letraset (letras decalcáveis). No entanto, somente pude comprar minha primeira câmera, uma Minolta X 300, em 1991. Comecei fotografando em P&B mas logo me apaixonei pela cor e nunca mais a abandonei. Durante muito tempo pratiquei a fotografia como uma paixão, um hobby, de maneira amadora.
Muitos anos se passaram até que eu pude finalmente me dedicar totalmente e profissionalmente à fotografia. Isso aconteceu em 2011, quando me mudei para Nova York e fui estudar, no ano seguinte, fotografia no ICP (International Center of Photography). Fiquei na escola até 2016 e pude realmente descobrir caminhos novos na fotografia. Paralelamente aos meus estudos no ICP, também cursei a escola de Belas Artes (National Academy of Design School) onde tive aulas de pintura, desenho e história da arte.
Desde então, e lá se vão 12 anos, nunca mais parei. Hoje a fotografia ocupa um papel central no meu trabalho e na minha pesquisa como artista visual e fotógrafa. Me encanta o poder não só narrativo como artístico da fotografia. Poder fazer recortes através de uma lente objetiva para mostrar o mundo de uma maneira subjetiva é fascinante. É uma viagem no tempo e na história. Para mim, fotografar, além de registrar um momento, é um ato poético.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
O meu trabalho (Dis)Closure, selecionado como finalista do PPF 2024, foi realizado durante 2016-2018 na Cisjordânia, que é território Palestino ocupado. Queria registrar o cotidiano de pessoas que vivem situações de opressão constante sob a colonização de um país estrangeiro e como elas resistem e sobrevivem nesse meio adverso. Esse projeto fala de resiliência e também do absurdo de, em pleno século XXl, estarmos vivendo situações como essa.
Fiquei 3 anos debruçada sobre as fotos dessa série procurando uma maneira de melhor representar esse momento pois não estava satisfeita com o simples registro fotográfico direto. Depois de muita pesquisa, reflexão e experiências, percebi que o uso da cor com uma estética surrealista ia ao encontro do que eu queria contar e mostrar. Estava pronto o projeto.
Trabalho sobretudo com a fotografia artística. Mesmo quando fotografo uma série documental, como essa, quero adicionar uma camada que fale da minha percepção, do meu processo e pensamento artístico. Gosto de interferir na imagem para realçar algum aspecto que eu perceba que seja importante para o resultado final almejado. É um processo muitas vezes longo, mas necessário para a construção de um trabalho coerente e que represente a visão do artista.
Em quais projetos trabalha atualmente?
No momento estou trabalhando em dois projetos.
O primeiro intitula-se Urbanos + Memórias Portáteis e Aleatórias. Nessa série, que é um projeto de longo termo e iniciado há 8 anos, trabalho com a interação das pessoas com as cidades, com a arquitetura, com a natureza e com os objetos que permeiam a história de cada um. É uma reflexão sobre as memórias e de como elas afetam a nossa vivência e constroem as nossas narrativas.
O segundo projeto chama-se Pará: Brasil. Nele, mostro minha percepção de um lugar fascinante onde a natureza reina soberana apesar da exploração predatória dos seus recursos. Pude observar como as comunidades ribeirinhas, guardiãs de uma sabedoria ancestral, fluem em harmonia com o rio, extraindo dele e da floresta não apenas alimento e o seu sustento, mas também inspiração espiritual e cultural. Suas histórias e tradições se entrelaçam com as águas que moldam seu modo de vida, formando um tecido rico de mitos e rituais. Nessa série, desenvolvo um trabalho mais poético do que documental.
Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Quero continuar minha pesquisa na fotografia artística expandindo meu olhar e minha prática como artista visual. Sempre estou em busca de uma nova maneira de expressar o meu trabalho e isso acontece dentro do ateliê durante o processo de criação. Quero produzir novas séries que me surpreendam, que sejam relevantes e que tragam um novo olhar para o tema abordado. Enfim, quero estar sempre apaixonada pelos meus projetos mas também fora da minha zona de conforto.