A trajetória da carioca Juliana Bizzo na fotografia é um testemunho de transformação e encontro. Após um diagnóstico de câncer interromper sua carreira de 13 anos como odontopediatra, ela encontrou na câmera uma ferramenta de reconexão com seu corpo e sua identidade. Hoje, sua lente está a serviço de documentar com afeto e potência a cultura drag, a cena ballroom e os movimentos de rua, transformando a fotografia em seu território político e criativo.
A imagem “Reflexo Que Não Se Apaga“, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um ícone dessa missão. Parte de uma série documental sobre os bastidores da cena drag carioca, a fotografia captura um instante íntimo de transformação, deslocando o olhar do espetáculo para o gesto vulnerável e poderoso que antecede o aplauso. Mais do que maquiagem, cada traço é um manifesto de existência, um reflexo de resistência contra o apagamento. A imagem sintetiza perfeitamente o foco de Juliana: celebrar a presença, a identidade e a construção de si como atos políticos fundamentais.
Mergulhe na entrevista a seguir para conhecer mais sobre a fotógrafa e os projetos que está desenvolvendo para criar um arquivo vivo da resistência contemporânea no Brasil.



Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 46 anos, vivo e trabalho no Rio de Janeiro. Minha base é aqui, mas minha fotografia circula por onde as histórias pedem para ser contadas.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
A fotografia entrou na minha vida primeiro como um respiro e, depois, como uma urgência. Sou formada em Odontologia e trabalhei por 13 anos como odontopediatra, até que um diagnóstico de câncer virou tudo do avesso. Nesse período, encontrei na fotografia um modo de me reconectar com meu corpo e minha identidade, e foi a cultura drag que me devolveu o brilho. Fotografar drags, ballroom, movimentos de ruas e corpos dissidentes não foi uma escolha de nicho, mas uma escolha de verdade. Hoje, a fotografia é meu território político, afetivo e criativo. É o espaço onde transformo o que vivo em imagem, e onde crio pontes entre o pessoal e o coletivo.


Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
A imagem faz parte de uma série documental sobre os bastidores da cena drag no Rio de Janeiro, produzida desde o início de 2023, sempre no calor da preparação, capturando emoções e trazendo o meu público para um momento mais íntimo, que ele não teria a oportunidade de ver se não fossem as minhas fotos.
Essa foto, em particular, captura um instante de transformação. A proposta é deslocar o olhar do espetáculo para o que antecede o aplauso, para o gesto íntimo que sustenta a performance.
Na arte drag, cada traço é mais que maquiagem, é manifesto. E a foto se chama “Um reflexo que não se apaga” porque vive na memória, no corpo e na política de existir como se quer, apesar da censura, do moralismo e de toda tentativa de apagamento.
Esse trabalho se encaixa organicamente na minha produção: é sobre presença, identidade e resistência. Assim como em uma ball ou em um movimento de rua, também aqui há um corpo que se constrói diante de mim, carregando história, vulnerabilidade e potência.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente, trabalho em três frentes principais:
- Bastidores da cena drag – Uma série de longo prazo que acompanha drags nos momentos anteriores e posteriores à performance, quando o glitter encontra o suor e a personagem convive com a pessoa fora do palco. Meu objetivo é deslocar o olhar do espetáculo para a intimidade e a vulnerabilidade, mostrando que a arte drag é também um ato político de construção e reconstrução de si.
- Cultura Ballroom no Brasil – Registro as Balls e os bastidores, investigando como as houses funcionam como família escolhida, rede de afeto e espaço de afirmação para corpos LGBTQIAPN+. Meu trabalho contribui para eternizar momentos que, muitas vezes, só vivem na memória de quem participa. Faço isso colocando meu olhar de mulher sapatão e branca a serviço dessa comunidade, consciente das minhas posições e limites, para entregar um trabalho profissional e à altura da potência que a cena merece.
- Movimentos de rua – Fotografo também manifestações políticas e culturais como a Marcha das Mulheres Negras, a Marcha da Maconha, atos contra retrocessos de direitos, Paradas LGBTQIAPN+ e celebrações religiosas como o Dia de Iemanjá. Nessas coberturas, busco a intersecção entre fé, corpo e luta, entendendo a rua como altar, palco e trincheira ao mesmo tempo.
Para o futuro, pretendo aprofundar essas três frentes, ampliando o diálogo entre elas em um projeto expositivo e editorial que una imagem e texto. Meu objetivo é criar um corpo de trabalho que funcione como arquivo vivo da resistência contemporânea no Brasil, preservando narrativas que historicamente foram invisibilizadas.