Luisina Ferrari trabalha no mercado audiovisual, mas realiza ensaios fotográficos autorais em paralelo. Interessada pela fotografia desde a infância, essa argentina que vive em Belo Horizonte realizou o Ensaio “Eu acredito em você”, sobre as diversas religiões praticadas no Brasil, em paralelo à realização de uma série de documentários produzida ao longo de três anos para a TV Brasil pela Aldeia Produções, produtora audiovisual mineira.
Desse trabalho surgiu “Defumação no terreiro”, finalista na categoria Imagem Destacada do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023. A foto registra o Terecô, uma prática religiosa de matriz africana, e foi feita em Alto Alegre do Maranhão, em 2015. Além do trabalho sobre as religiões, Luisina Ferrari produziu recentemente uma série de retratos performáticos em parceria com um amigo, artista e fotógrafo, intitulada Duo, ainda inédita.
Saiba um pouco mais sobre sua atuação como fotógrafa.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 38 anos, sou argentina, desde 2011 moro em Belo Horizonte, MG. Trabalho no mercado audiovisual em diferentes projetos no Brasil, Argentina e Espanha.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Quando eu era criança, em casa tínhamos uma câmera fotográfica da família que meus pais usavam para registrar os aniversários e nossas viagens. Ela era reservada apenas para ocasiões especiais. No entanto, eu gostava de pegá-la fora dessas datas específicas e ficava escondida brincando de fotografar a minha irmã mais nova e as várias plantas do jardim.
Em uma viagem, a câmera da família foi roubada e meus pais demoraram para poder comprar outra. Minha mãe, que sabia do meu gosto pela fotografia e da minha “brincadeira escondida”, fez uma câmera de papelão para mim. Foi um dos meus brinquedos preferidos!
Na adolescência, ganhei uma câmera digital e passei a registrar absolutamente tudo, tudo mesmo! Não parava de gravar e fotografar. Nessa época também comprei vários álbuns e passei a organizar cronologicamente todo o acervo de fotos da família, que até então estava encaixotado.
Formei em Empreendimentos Audiovisuais e fiz um curso técnico em Fotografia Documental. Ao longo de mais de 20 anos de atuação no campo audiovisual, participei de dezenas de cursos e eventos, aprendendo, inspirando e me redescobrindo em cada experiência.
Acredito que a fotografia me traz de volta a essa essência da infância, também me coloca em sintonia com o que está acontecendo no momento, e me incentiva a estar presente para poder falar através de uma imagem. E, se ainda, esse instante captado por mim tem o poder de tocar em outra pessoa, é aí que a mágica reverbera.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Na categoria Imagem destacada do PPF 2023, foi selecionada a fotografia “Defumação no terreiro”, o registro é sobre o Terecô, uma prática religiosa de matriz africana, e foi feita em Alto Alegre do Maranhão, em 2015, no terreiro do Pai Reinaldo.
Durante três anos, participei como assistente de direção, roteirista e editora, da série documental: “Retratos de Fé”, produzida pela Aldeia Produções, produtora audiovisual mineira, para a TV Brasil. Nas gravações, sempre levava minha câmera comigo, assim quando tinha um tempinho dentro do cronograma apertado de filmagem, fazia registros de making-of e também de alguns dos momentos que chamavam a minha atenção. Essa curiosidade gerou um vasto material fotográfico e muitos desses registros acabaram virando as fotografias oficiais de divulgação dos documentários.
Hoje, “Defumação no terreiro”, faz parte de uma série de fotografias documentais sobre diversidade religiosa no Brasil, intitulada “Eu acredito em você”. São 36 fotografias que contemplam 12 práticas religiosas e 12 textos sobre cada uma delas. As imagens representam também um pouquinho da minha vivência, e do meu encantamento pelas pessoas, lugares, rituais, cheiros, comidas, músicas, danças, manifestações, foram incontáveis as experiências que me atravessaram e me fizeram acreditar. Fui tocada pela diversidade deste Brasil, um país que abriga um universo de possibilidades, e que muitas pessoas desconhecem. A exposição está circulando desde abril deste ano por vários Centro Culturais de Belo Horizonte, MG, com patrocínio do Edital do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura da Prefeitura de BH.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Com a ideia de dar continuidade ao projeto “Eu acredito em você”, de valorizar a diversidade, refletir sobre a espiritualidade ampliando o debate essencial sobre a liberdade religiosa e, sobretudo, respeitar as diferenças, estamos trabalhando para viabilizar mais espaços expositivos e também a realização deste acervo num livro de fotografias documentais.
Reconhecer essas práticas, saber que existem (e resistem) é importante para entender que elas fazem parte da história e da cultura do povo e também da escolha pessoal de cada pessoa.
Durante o isolamento social, imposto pela pandemia do Covid-19, morando sozinha, longe da família e da minha terra natal, a fotografia foi um dos oásis em meio ao caos. Tentei registrar cenas do cotidiano mas tinha medo de sair na rua. Então, dentro de casa, brincando com a câmera fiquei me fotografando. Raramente tinha feito isso antes, aliás até fugia de ser fotografada, percebi então que não sabia nada sobre autoimagem. Procurei e fiz cursos específicos de autorretratos (“Corpo e auto representação”; “O corpo feminino na história da arte e na fotografia”), participei, durante todo o ano, do grupo de estudos (Imago) com foco em mulheres fotógrafas e o papel da mulher na história da arte. Foi um reencontro, obrigatório, comigo mesma. Nesta mesma época, junto com um amigo, artista e fotógrafo, fizemos um ensaio com fotografias performáticas sobre o aumento da violência doméstica em tempos pandêmicos. Assim, movida pela temática de gênero, continuo pesquisando sobre a violência contra as mulheres para aumentar a produção do ensaio, ainda inédito, “Duo”.