Para Luiz Maudonnet, a descoberta da fotografia está relacionada à descoberta de um Brasil para além das grandes cidades. Ele começou a fotografar ao fazer suas primeiras grandes viagens de carro, em 2014. Fotografar representava para ele a possibilidade de se conectar com as comunidades que visitava.
Com uma carreira profissional na área da fotografia e do cinema iniciada em 2016, Luiz Maudonnet realiza projetos documentais que abordam as marcas e vestígios do passado colonial brasileiro. Um desses trabalhos, intitulado “A serra que chorou”, é finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023 na categoria Ensaio. O trabalho aborda o legado deixado pelo garimpo da Chapada Diamantina, mais especificamente na região da cidade de Igatu, onde se verifica a presença de grunas, como são chamadas as grutas escavadas por mãos humanas, por meio da retirada de cascalho por garimpeiros de diamantes. As imagens do ensaio são iluminadas pela luz natural que penetra pelas frestas que servem de entrada para as grunas, hoje abandonadas. Luiz Maudonnet também utiliza a dupla-exposição, trazendo um aspecto lúdico às suas imagens.
Conheça em detalhes a proposta desse trabalho e da abordagem autoral do fotógrafo.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 29 anos e vivo e trabalho na cidade de São Paulo.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Comecei a fotografar no ano de 2014, durante as minhas primeiras grandes viagens de carro pelo Brasil. Naquele momento, eu tinha acabado de comprar minha primeira câmera fotográfica.
Durante esta viagem, tive um primeiro vislumbre de como era a vida no Brasil fora de um grande centro urbano e a fotografia se revelou um poderoso mecanismo de conexão entre diferentes universos sociais e pessoais. Ela passou a ser a ponte que me permitia conhecer pessoas e comunidades ao longo do caminho.
Foi em 2016 que comecei a trabalhar profissionalmente com fotografia. Desde então, meu objetivo como fotógrafo e cineasta é discutir temas relevantes relacionados ao passado e ao presente do território brasileiro, contribuindo com discussões a respeito da cultura local e da construção da identidade brasileira.
Buscando valorizar a cultura por meio da fotografia e do cinema, venho realizando projetos de educação em comunidades ribeirinhas na Amazônia desde 2016. Em 2019, também voltei meu olhar às comunidades periféricas urbanas, quando comecei a trabalhar em territórios como a Cracolândia, em São Paulo.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Este trabalho teve início no ano de 2017, quando conheci a vila de Igatu, na Chapada Diamantina. Ao me envolver mais profundamente com a vila e os moradores, fui compreendendo a importância da mineração do diamante para aquele local. Todos sempre me falavam das “grunas” – que depois entendi ser uma gíria local para as antigas minas de diamante, escavadas inteiramente de forma manual. Apesar da proibição do garimpo muitos anos antes, os resquícios dessa cultura ainda se faziam presentes.
Entendo o legado deixado pelo garimpo nessa região como uma manifestação do processo colonial no Brasil, que, ao impor uma demanda por recursos naturais brasileiros, determinou a cultura de trabalho de cada região da colônia. A história da Chapada Diamantina é a história do diamante; da mesma forma, a do litoral baiano é a do cacau, a da região amazônica é a da seringa, a de Minas Gerais é a do ouro, além de tantas outras em que regiões e produtos coloniais se misturam. Ao fotografar a história da Chapada Diamantina, captamos também ecos de todos esses processos de moldam nossa cultura.
Para retratar essa história, escolhi, como linguagem visual, trabalhar com a sensação de aprisionamento. Para isso, optei por fotografar as personagens, todas pessoas ligadas ao garimpo de forma direta ou indireta, dentro das grunas em que trabalharam. Elas são iluminadas pela luz natural, que incide através das frestas que servem de entrada para as grunas hoje abandonadas. No escuro, iluminadas por essa única fonte de luz que chega do mundo exterior, são retratadas como em uma prisão.
Outra escolha foi fotografar as entradas das grunas de dentro para fora, super expondo a luz externa e buscando uma composição que fizesse lembrar o brilho do diamante. Em algumas fotos, usei a técnica da dupla-exposição, trazendo às imagens um aspecto lúdico.
Por último, juntei a estas imagens algumas outras, para investigar as paisagens da região da serra de Igatu e buscar retratar esse processo pelas marcas físicas deixadas no espaço. O homem se impôs sobre a natureza por meio do garimpo e a deixou permanentemente alterada. Assim, vemos um lago. É, na verdade, um poço artificial. A água ali corria e era usada para lavar o cascalho e achar os diamantes na terra, mas, por conta de um conflito entre coronéis pelo domínio da gruna, um dos homens explodiu a saída, fazendo a água represar e impossibilitando o garimpo. É, portanto, um retrato de disputa, exploração e domínio – e da marca permanente que deixam na terra.
O título da série vem de um trecho do livro “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano. Ele conta que em Potosí, cidade que foi o epicentro da mineração na Bolívia, os moradores chamavam a sua montanha que mais “expeliu” minérios de Huakajchi, ou “o monte que chorou”.
Este é um projeto que continuo revisitando e que gosto de pensar como um trabalho em progresso, por estar intimamente ligado à temática que estrutura meu corpo de trabalho: a construção de nossa identidade enquanto povo brasileiro. Esta série é, assim, uma de minhas pesquisas visuais à procura de elementos determinantes dessa construção.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente, tenho trabalhado em diferentes projetos entre fotografia e cinema. Na fotografia, estou finalizando um fotolivro, feito em conjunto com minha parceira. É um livro que junta poesias dela e fotos minhas, em uma investigação sobre o tema do encontro. Em longo prazo, gostaria de transformar “A serra que chorou” também em fotolivro.
Em relação ao cinema, estou trabalhando na finalização de dois projetos. O primeiro, trata da relação entre música e espiritualidade, inspirado na atuação do coletivo “Pagode na Lata” no território da Cracolândia, em São Paulo. O outro, apresenta uma comunidade indígena afetada pelo crime ambiental de Brumadinho e, a partir de sua experiência, trata do embate entre a ideia de “modernidade” do homem branco e a ideia de mundo indígena.