Em Acra, Gana, onde vive e trabalha, a fotógrafa Natalija Gormalova constrói uma prática documental que transforma a lente em instrumento de denúncia e celebração da resiliência humana. Aos 38 anos, a artista – que encontrou na fotografia uma âncora após a perda da mãe aos 17 – desenvolve um trabalho profundamente enraizado na justiça social e ambiental, movida pelo desejo de capturar a profundidade humana e a esperança que admira em mestres como Sebastião Salgado e Josef Koudelka. Sua trajetória, iniciada com uma câmera de filme comprada em um mercado de pulgas, levou-a a Gana, onde descobriu o poder da fotografia documental e do storytelling, colaborando com agências como AFP e AP enquanto desenvolve projetos pessoais de impacto.
Seu portfólio “Destinos Entrelaçados” (Woven Fates), finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025, é um projeto multimídia em andamento que expõe os efeitos devastadores da poluição por resíduos têxteis em Gana. Através das vidas das kayayei – mulheres carregadoras que equilibram fardos imensos sobre a cabeça – o trabalho revela a interseção entre injustiça ambiental, legados coloniais e desigualdade de gênero. Realizado no mercado de Kantamanto, o maior mercado de roupas usadas da África Ocidental, o projeto mostra como toneladas de roupas descartadas do Norte Global inundam Gana, criando um ciclo de lixo que sufoca praias e sobrecarrega a infraestrutura local. Mais do que denúncia, porém, Gormalova celebra a resistência dessas mulheres, criando um espaço para empatia enquanto questiona as estruturas globais que moldam essas realidades. O trabalho sintetiza perfeitamente sua busca por conectar histórias individuais a sistemas globais, mantendo a fascinação pela beleza e verdade mesmo nos contextos mais desafiadores.
Conheça mais sobre esta jornada e o estúdio que tornou-se plataforma de vozes emergentes na entrevista que segue.

Image from the finalist Portfolio Woven Fates, by Natalija Gormalova.

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Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 38 anos. Vivo e trabalho em Acra, Gana.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Sempre fui uma pessoa criativa, buscando formas de dar sentido ao mundo através da imaginação. Não tínhamos uma câmera quando eu crescia, mas sabia que queria estudar arte.
Fui atraída pelo trabalho de mestres como Sebastião Salgado e Josef Koudelka – suas imagens carregavam tanta profundidade, evocando a sensação de que você estava testemunhando algo profundamente humano e esperançoso. Era isso que eu queria que meu trabalho fizesse: carregar esse tipo de peso emocional.
Após o falecimento da minha mãe quando eu tinha 17 anos, a fotografia tornou-se minha âncora. Era uma das poucas coisas que me ajudou a curar – sem ela, acho que teria me perdido completamente. Comprei minha primeira câmera de filme em um mercado de pulgas e comecei a fotografar a vida ao meu redor. Mais tarde, enquanto estudava fotografia, passei incontáveis semanas no laboratório, às vezes ficando dias sem ver a luz do dia. A fotografia tornou-se uma obsessão.
Meu caminho eventualmente me levou a Gana, onde descobri o poder da fotografia documental e da narrativa visual. Comecei a trabalhar em projetos pessoais enquanto também contribuía para a AFP e AP.
A fotografia me permitiu manter a profunda fascinação pelo mundo, buscar beleza e verdade, e manter a esperança na humanidade, mesmo nos tempos mais sombrios.

Image from the finalist Portfolio Woven Fates, by Natalija Gormalova.

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Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do Prêmio Portfólio FotoDoc 2025. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Meu trabalho, Destinos Entrelaçados (Woven Fates), é um projeto documental multimídia em andamento que explora o efeito devastador da poluição por resíduos têxteis em Gana. Através das vidas das kayayei – mulheres carregadoras que carregam enormes fardos físicos e econômicos – o projeto revela a interseção entre injustiça ambiental, legados coloniais e desigualdade de gênero. Em seu cerne, também celebra sua resiliência e luta por dignidade face à adversidade.
Nos últimos anos, tenho documentado a vida em Kantamanto, o maior mercado de roupas usadas da África Ocidental. É onde milhares de kayayei trabalham, e onde o comércio global de roupas descartadas se torna tangível. O mercado é uma tábua de salvação para muitos, mas também um símbolo de um sistema injusto: itens de baixa qualidade e invendáveis chegam às toneladas, contribuindo para um ciclo de resíduos que sobrecarrega a infraestrutura local. As consequências são visíveis everywhere – nossas praias estão sufocadas com detritos têxteis, poluição que os ganenses não criaram, mas são forçados a suportar.
Em meu trabalho, tento conectar histórias individuais a sistemas globais mais amplos, criando um espaço para empatia enquanto questiono as estruturas que moldam nosso mundo. Destinos Entrelaçados é tanto um testemunho das comunidades locais quanto um chamado para reconhecer a responsabilidade global nesta crise ambiental.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Recentemente fundei o Kanda Photo Studio em Acra, um espaço experimental dedicado a compartilhar as histórias negligenciadas da comunidade Zongo – principalmente migrantes muçulmanos do Norte de Gana e do Sahel. No Estúdio, documento a vida enquanto ela se desenrola, criando retratos que atuam como resistência e preservação de histórias de migração, identidade e pertencimento.
O estúdio também tornou-se um lugar para experimentação artística e diálogo, onde trabalho com outros artistas para responder ao clima político atual através da narrativa visual. Meus planos para o futuro próximo focam em expandir tanto meus projetos de longo prazo em Gana quanto o papel do estúdio como plataforma colaborativa para vozes emergentes.

Image from the finalist Portfolio Woven Fates, by Natalija Gormalova.

