A fotografia é um veículo para exaltar as raízes ancestrais dos povos originários da floresta amazônica para Paulo Henrique Costa. Nascido e criado em Cruzeiro do Sul, um município no interior do Acre, ele formou-se em Engenharia Agronômica e fez Mestrado em Ciências Ambientais. Foi atuando em sua profissão que ele começou a fotografar, usando um smartphone. Seus registros chamaram a atenção pela qualidade e amigos o presentearam com uma câmera fotográfica.
Com a foto intitulada “A Mulher e o Rio”, Paulo Henrique Costa é um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024 na categoria Imagem Destacada. A cena foi captada do alto de uma ponte sobre o Rio Môa e mostra uma mulher pilotando seu barco com linhas, iscas e uma tarrafa, em busca da pesca para alimentar sua família.
Entenda melhor o papel da fotografia na vida desse jovem ativista amazônida na entrevista abaixo.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Olá, eu me chamo Paulo Henrique, sou um homem negro, acriano, amazônida e tenho 29 anos. Nasci e cresci em um município do interior do estado do Acre, chamado Cruzeiro do Sul, na Amazônia Sul-Ocidental, extremo norte do Brasil. Atualmente eu trabalho como Assistente de Comunicação da Organização dos Povos Indígenas do Rio do Juruá e tenho uma atuação pautada no ativismo pelo meio ambiente.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Primeiramente eu preciso dizer que eu não me considero um fotógrafo.
Eu sou extremamente amador e nunca estudei nada relacionado à fotografia antes.
Eu sou formado em Engenharia Agronômica e tenho Mestrado em Ciências Ambientais. Passei a minha vida toda ouvindo que eu não tinha perfil para a agronomia e de fato eu não tenho, porque todas as minhas atuações sempre foram contra o caminho do agronegócio e em direção a sustentabilidade, a manutenção da floresta em pé, a soberania dos povos da floresta e etc.
No ano de 2021, quando eu comecei a fazer o mestrado e ganhar a bolsa, eu comprei um iPhone X usado.
Fui convidado no mesmo ano para fazer um trabalho de campo em comunidades tradicionais do Acre durante um mês e 10 dias. Nesse período, eu não tinha acesso à internet, então comecei a fazer registros da rotina no campo.
Quando eu voltei para casa, comecei a postar esses registros na internet e muita gente passou a elogiar essas fotos. Eu não entendia o que as pessoas viam nos registros porque na minha visão eram apenas fotos simples, feitas com o celular.
Depois disso eu fui contratado como coordenador de comunicação de uma ong em fevereiro de 2022, mas continuei utilizando o celular para fazer os registros fotográficos.
Em julho de 2023 eu pedi demissão (porque o ambiente de trabalho era horrível), mas aproveitei o tempo em que eu trabalhei nessa organização, para aprimorar o meu portfólio fotográfico, mesmo usando apenas o celular para fazer esses registros.
No mesmo mês eu ganhei um iPhone 12 Pro Max e continuei fazendo os registros com o celular tal como eu fazia.
Eu continuei sem trabalho por um bom tempo (nada estava dando certo na minha área de formação – ciências agrárias) e aí, em fevereiro de 2024 a dona de uma cafeteria aqui em Cruzeiro do Sul me convidou para expor as minhas fotos na cafeteria dela. Eu topei e teve uma repercussão bem boa. Em março eu fui convidado para expor as minhas fotos outra vez, mas dessa vez, em um Sarau Cultural. Novamente a repercussão foi muito boa.
No dia que eu fiz a exposição nesse Sarau, eu ainda estava me recuperando de um grave acidente de moto que eu sofri. Após o Sarau, eu fui para o terreiro que eu faço parte, pois estava tendo um trabalho espiritual com o chá do santo daime (ayahuasca) nesse mesmo dia.
Durante esse trabalho espiritual, eu enxerguei que de fato a fotografia era a minha verdadeira paixão.
No outro dia, sem que eu soubesse, os integrantes do terreiro (meus irmãos) me convidaram para tomar um café na mesma cafeteria onde eu tinha exposto as fotos pela primeira vez e durante a conversa, eles me entregaram uma câmera Nikon D90 e disseram que eu podia usar ela para fazer os meus registros fotográficos. Eles chegaram a dizer que se surpreenderam quando descobriram que eu usava somente o celular para tirar as minhas fotos.
Eu tive uma certa dificuldade no começo, porque até então eu não tinha usado uma câmera antes e aí eu acabei deixando a câmera de lado, porque eu não conseguia entender a funcionalidade dela.
No dia 27 de abril de 2024, durante outro trabalho espiritual com a ayahuasca, eu me vi utilizando a câmera que os meus irmãos do terreiro tinham me emprestado e reafirmei a minha paixão pela fotografia dentro da espiritualidade.
No dia 1º de maio de 2024, eu assisti três vídeos em um canal do youtube, peguei a câmera e fui para a beira do Rio Juruá fotografar. No mesmo dia, eu postei o primeiro registro que eu fiz com essa câmera (https://www.instagram.com/p/C6cdMOOMySt/) no meu Instagram.
Depois disso eu segui utilizando a câmera (que é emprestada) e fazendo os meus registros em um Instagram que eu considero como um portfólio.
A fotografia é a minha paixão.
Como eu sempre costumo dizer, hoje em dia eu não me enxergo fazendo outra coisa.
É como se eu tivesse me enganado durante 29 anos e tivesse invisibilizado a minha verdadeira paixão durante todo esse tempo.
A fotografia é o instrumento pelo qual eu honro a minha ancestralidade e conto a história do meu povo.
É o meu ebó de resistência, enquanto pessoa amazônida do extremo norte do país.
É o meu ilá (não cantado) que faz a história da minha gente e da minha terra, ganhar vida e reverberar através dos meus olhos.
A fotografia é o que eu quero fazer pelo resto da minha vida.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Eu fiz esse registro que eu chamo de “A Mulher e o Rio” no dia 27 de fevereiro de 2022, com um Iphone X, do alto da ponte que atravessa o grandioso Rio Môa. O Rio Môa nasce no Peru e chega até o município de Mâncio Lima, passando também por Cruzeiro do Sul (ele divide os dois municípios). Era um fim de semana e eu lembro que nesse dia, eu estava voltando da Terra Indígena Puyanawa, pois no dia anterior eu tinha participado de um trabalho espiritual com a ayahuasca. Todas as vezes que eu passo pela ponte, eu sempre paro e fico comtemplando a natureza e a grandiosidade desse rio. Então eu observei essa mulher ribeirinha misteriosa em sua canoa e fiz o registro.
Proposta do registro: Nas cidades ou na floresta, as mulheres da Amazônia assumem, com mais frequência, os seus protagonismos. Enfrentam (e superam) todas as batalhas na busca por uma vida melhor para elas e seus filhos. Assumem com maestria as funções antes ocupadas mais por homens. Estão nos roçados, cortando seringa, quebrando castanha, pilotando as rabetas – conduzindo seus próprios caminhos. Aqui, uma mulher amazônida segue o seu curso nas águas barrentas do rio Môa, em Cruzeiro do Sul, buscando na força das majestosas águas desse rio, o alimento para si e sua família. As linhas, as iscas e a tarrafa estão prontas para mais um dia de caça – ou melhor, de pesca. Para essas mulheres, nada mais as limita. Nas adversidades, aprendem a ser fortes e resistentes – como a própria Amazônia.
A fotografia que captura a alma, a essência e a vivência do meu povo amazônida, tornou-se o meu principal instrumento de poder.
É através dela que eu honro a minha ancestralidade.
É através dela que eu arrio o meu ebó de resistência, resiliência e coragem na luta contra o apagamento histórico do povo amazônida.
Tal como Exú é a boca do mundo, eu transformei o meu olhar na janela por onde o mundo enxerga o meu povo, a nossa história, a nossa cultura & a força amazônida.
Não sou água represada. Sou água que alimenta a terra e faz brotar a vida.
Osun fez do meu olhar um ebó que está sendo arriado para que o Brasil nos veja, enquanto povo da floresta.
Eu sou essa força ancestral & carrego o patuá de compartilhar o cotidiano do povo amazônida do Acre, a partir do meu olhar.
É dessa maneira que “A Mulher e o Rio” se encaixa na minha produção fotográfica.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente eu trabalho como Assistente de Comunicação da Organização dos Povos Indígenas, aqui em Cruzeiro do Sul. É um trabalho super recente (comecei semana passada – 17/07 rsrs). Eu encaro essa oportunidade como uma chance de aprimorar o meu portfólio fotográfico, uma vez que o meu foco é registrar as amazonidades e os diversos povos da floresta e nesse emprego eu vou poder viajar para diversas terras indígenas com o foco de produzir materiais audiovisuais para a organização; ter condições de finalmente juntar uma grana para que eu possa comprar a minha própria câmera fotográfica e também pagar um curso de fotografia presencial para que eu possa me especializar enquanto fotógrafo.
Eu tenho planos de fazer um curso de fotografia fora daqui do meu município (aqui não tem), mas planejo voltar logo em seguida, porque eu amo o lugar onde eu nasci e assumi como missão honrar a ancestralidade do meu povo, eternizando a nossa história a partir dos meus registros fotográficos.