Tetê Schmidt gosta de pensar por meio de fotografias. A capacidade de congelar uma cena numa determinada luz, num determinado ângulo, sem movimento, som ou legendas, é, para ela, um tipo de poesia visual.
Praticante da fotografia de rua, Tetê Schmidt gosta da imprevisibilidade e explora a beleza do retrato anônimo. Quando passeava com seu cachorro em um parque que costumava frequentar, ela deparou-se com uma cena insólita. Quatro idosos estavam sentados em um banco, comendo um lanche, cada qual parecia absorto em seu próprio mundo. A cena registrada sorrateiramente deu origem à foto intitulada “Hora do Lanche”, uma das finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024.
Descubra mais sobre o perfil de Tetê Schmidt na entrevista que segue.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Eu tenho 55 anos, vivo e trabalho em São Paulo.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Eu sou fotógrafa autodidata, redatora e editora. A fotografia deve ser algo meio genético, pois minha tia avó alemã, que eu nunca conheci, era fotógrafa em 1930 numa época em que mulheres eram destinadas à criação dos filhos e aos assuntos do lar. Comecei a fotografar aos 15 anos com uma câmera automática amadora que pedi de aniversário. Eu fotografava as amigas, levava a máquina pra a escola, nas viagens e aniversários de família. Eu queria registrar a minha vida para a posteridade e fotografar me dava a possibilidade de eternizar momentos e a sensação de que estava vivendo mais, e tinha provas.
Também gosto de pensar através de fotogramas. Pause. Ponto. Still. A capacidade de congelar uma cena numa determinada luz, num determinado ângulo, sem movimento, som ou legendas, é um tipo de poesia visual.
Ainda jovem tive a sorte de frequentar laboratórios caseiros e fazer ampliações manuais. Todo o processo me fascinava: a imagem surgindo no papel, os tons de cinza, a reprodução em si. Sempre gostei de impressão, de papel. Aos 18 anos, com uma Pentax K1000 analógica e mecânica, passei a fazer retratos em preto e branco. Eu gosto de gente, não por acaso minhas fotos costumam incluir pessoas.
Formada em Publicidade, fui assistente de fotografia, produtora gráfica, produtora executiva até chegar à área de criação que era a minha meta. Publiquei dois livros e uma antologia poética. Como fotógrafa, participei de diversos concursos e expus em mostras coletivas dentro e fora do Brasil. Atualmente a fotografia é parte ativa na editora que tenho há 17 anos. Faço também retratos corporativos, fotolivros personalizados e, paralelamente, mantenho um trabalho autoral.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Gosto da imprevisibilidade das fotos street e de explorar a beleza do retrato anônimo, como uma paparazzi de pessoas invisíveis. Fiz esta foto em 2015 durante um passeio com o meu cachorro. Quando cheguei na pracinha os bancos estavam ocupados por idosos que eu nunca tinha visto por lá.
Eram grupos desconexos sem qualquer parentesco. Em comum partilhavam de um olhar perdido e nas mãos seguravam um sanduiche fornecido pela clinica que organizou o passeio. Eles estavam tomando sol ao ar livre, num pequeno oásis dentro da grande metrópole, e silenciosamente agradeci por eles terem essa oportunidade, num misto de felicidade e melancolia. Precisava registrar a cena sem fazer alarde para captar a real expressão de cada um, sem interferências ou poses. Fui rápida e sorrateira.
O quarteto registrado na imagem “Hora do lanche” tem a cara da São Paulo multicultural, o japonês, a espanhola, o português, e a expressão desconfiada de quem tem poucos amigos ou parentes presentes. A foto retrata com delicadeza e naturalidade pessoas de idade avançada num país etarista como o nosso, como forma de inclusão e questionamento. Ela tem uma beleza incomum, pois desafia o padrão estético imposto pela exaltação da juventude. Os quatro idosos, juntos em suas solidões e senilidades, trazem à tona a realidade da velhice.
Dentre outras coisas na minha produção fotográfica, busco ressignificar o banal, dando outro sentido ao corriqueiro, apoiada pelo contraste entre a pessoa e o meio em que ela vive.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Como adoro impressão e contar histórias, dedico uma parte do meu tempo fazendo fotolivros personalizados, atividade que me dá muito prazer. O resultado é sempre emocionante. O fotolivro impresso liberta imagens guardadas em dispositivos móveis e ressuscita fotos antigas numa época em que quase tudo é virtual.
A curto prazo quero voltar a fazer cianotipia, uma técnica de impressão artesanal descoberta em 1842 que me encanta, pois eu sou meio vintage. Todo o processo é feito por mim, a sensibilização do papel ou tecido, a produção dos negativos com as fotos e a exposição ao sol num método totalmente empírico, resultando em cópias únicas em tons de azul. Na contramão de imagens criadas por IA, meu novo projeto é uma regressão ao artesanal.