Uma viagem de colégio despertou no então pré-adolescente Victor Chahin para a fotografia de natureza. Ele tinha 12 anos de idade e foi introduzido à prática de observação de aves por um professor de Biologia. Animado com a experiência, passou a observar com mais atenção a paisagem de sua cidade natal, São Paulo (SP), e descobriu que, mesmo em um ambiente urbano densamente povoado, a natureza é uma presença constante.
Aos 13 anos, Chahin viajou com a família para Manaus (AM). Hospedados no renomado hotel de selva Ariaú, atualmente desativado, decidiram fugir das atrações turísticas convencionais e contrataram um guia para fazer incursões na floresta. Como resultado dessa viagem, o candidato a fotógrafo reuniu as melhores imagens em um fotolivro (ele mesmo diagramou e imprimiu em loja de shopping) que, por meio de um amigo em comum, acabou caindo nas mãos de Araquém Alcântara.
O olhar treinado de um dos maiores fotógrafos de natureza do Brasil detectou no material um talento potencial. Ali começou uma relação de amizade e orientação. Araquém convidou Chahin a participar de um workshop realizado na Serra do Amolar, uma das regiões mais isoladas e belas do Pantanal. Durante a viagem, Chahin fotografou pela primeira vez uma onça-pintada e passou a ter contato com outros temas da fotografia de natureza, para além da observação de aves.
A participação de Chahin em outros workshops de Araquém ao longo dos anos seguintes permitiu uma aproximação entre mestre e aprendiz. Em 2013, com 17 anos, o adolescente fez a primeira exposição individual, no Palácio da Polícia de Santos (SP), com curadoria de Araquém. No ano seguinte, ingressou na graduação em Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie. O curso permitiu agregar senso crítico ao olhar do fotógrafo de natureza. Como trabalho de conclusão, Chahin produziu o livro Mata Atlântica, o Massacre, publicado em 2017.
A obra teve nova curadoria de Araquém Alcântara, que escreveu no prefácio as seguintes linhas sobre o aprendiz. “A cada dia que passa, suas imagens ganham força e harmonia. Victor começa a entender também que a arte que escolheu pode ser mais do que o registro do belo, pode e deve ser um poderoso instrumento de transformação e de luta pela vida.”
Começo em meio à natureza urbana
Nascido e criado na maior metrópole brasileira, Victor Chahin descobriu que um fotógrafo de natureza pode encontrar temas até mesmo no ambiente urbano. “Aprendi que, para se tornar um fotógrafo, você deve primeiro contar a história do seu quintal. É claro que, dos 12 aos 16 anos, não tinha a menor ideia disso. Mesmo assim, a paixão pelas aves me fazia ficar fotografando da varanda do décimo primeiro andar no apartamento em que morava. Na frente do meu prédio tinha uma vila e uma das casas tinha uma antena bem alta, onde pousavam várias espécies de pássaros. Tinha acabado de ganhar minha primeira câmera, uma Sony DSC-H50, com zoom óptico de 15x, e com ela fotografei sanhaços, pombas, rolinhas, sabiás, maritacas, maracanãs, gaviões-carcará e urubus”, conta.
Chahin gosta de ver e fotografar a resistência da natureza no caos urbano, como o de São Paulo. Ele menciona as grandiosas árvores que existem em bairros como Pinheiros, Lapa, Moema e Higienópolis. Também se satisfaz em observar como as aves se adaptam ao ambiente urbano. “Temos pica-paus, almas-de-gato, sábias, falcões, papagaios-verdadeiros, diferentes espécies de gaviões e periquitos. Uma vez, cheguei até a ouvir uma araponga cantando em pleno Parque do Ibirapuera”, garante.
Embora tenha expandido sua atuação para outros temas dentro da fotografia de natureza, Chahin continua a ser um apaixonado observador de aves. Ele conta que a atividade mudou sua forma de ver o mundo, tornando-o mais atento a detalhes que normalmente passam despercebidos aos moradores de cidades grandes.
O jovem fotógrafo identifica ao menos três vertentes de observadores de aves. “Existem os mais científicos, ligados à documentação e expansão do conhecimento; os colecionadores de espécies, que viajam o Brasil buscando registrar o maior número possível de espécies; e outros ligados à arte da fotografia, que passam horas fotografando a mesma espécie, em busca da foto perfeita”, indica.
Ele se insere na terceira categoria. “Busco sempre colocar a arte nas minhas fotos. Recentemente, passei três dias fotografando a icônica maria-de-leque-do-sudeste na região do Vale do Ribeira. Acordava às 4h30 da manhã e passava o dia todo à espera ao lado do guia, com uma breve pausa para o almoço. Montamos um abrigo improvisado para chuva, a cerca de oito metros do local onde a ave se empoleirava para comer. Essa espécie raramente abre a crista, formada por um bonito leque de plumas alaranjadas, quando está se espreguiçando ou quando se sente ameaçada. Durante os três dias, ela abriu o leque seis vezes e consegui apenas duas boas fotos. A persistência e a paciência na fotografia são essenciais”, ensina.
Abordagens e projetos
Victor Chahin acredita que há duas formas de abordagem na fotografia de natureza, segundo os objetivos de cada situação. Um tipo de abordagem é aquela em que o fotógrafo fica horas sentado em um mesmo local aguardando um bicho específico aparecer ou que surja a luz ideal. A história da maria-de-leque-do-sudeste é um exemplo dessa abordagem, que normalmente demanda o uso de um banquinho portátil, guarda-chuva e muita paciência.
A outra forma de fotografar é a ativa. Ocorre quando o fotógrafo anda até um local para fotografar algo específico ou quando faz trilhas em busca do acaso. Para esse tipo de abordagem, é indicado reduzir ao máximo o peso do equipamento e calcular o tempo que passará caminhando. “Um exemplo legal que tenho desse tipo de abordagem foi meu encontro mágico com um lobo-guará na Serra da Canastra, em Minas Gerais”, conta Chahin. “Foram cinco dias rodando de carro. Foi somente nos últimos vestígios de luz do último dia de viagem que o lobo apareceu, cruzando a estrada na frente do carro. A fotografia tem dessas, a batalha e a conquista. Quando bem-sucedida, é como alcançar o Éden”, compara.
Dono de uma empresa no setor de tecnologia e desenvolvimento de sistemas, Chahin ainda não consegue se sustentar com a atuação na fotografia de natureza. Ele tem buscado inserir o seu trabalho no mercado de galerias e já participou de feiras em São Paulo, Paris e Nova York. “Minha perspectiva é fazer das minhas fotografias uma forma de revelar o mundo natural. Não busco apenas mostrar uma ave colorida, mas mudar a maneira como a sociedade enxerga aquela ave”, comenta.
Atualmente, Chahin desenvolve dois projetos de longo prazo. Um dos projetos é pessoal e está voltado à documentação do Vale do Ribeira, região na divisa dos estados de São Paulo e Paraná onde existe o mais extenso trecho contínuo de Mata Atlântica nativa remanescente no Brasil. A região é tão preservada que é comum ouvir relatos de onças avistadas.
O outro projeto foi idealizado pelo fotógrafo Paulo Behar e conta também com a participação de Araquém Alcântara. Intitulado “Felinos do Brasil”, visa à produção de um livro para reunir imagens de todas as espécies de felinos nativas, fotografadas em diversas partes do território nacional.
Investir em equipamento
A fotografia de natureza profissional demanda equipamento de primeira e o uso de um kit de lentes com grande variedade de distâncias focais, desde as ultra grande angulares, para paisagens, até as superteles, para fotografar aves e outros animais selvagens, que se assustam com a aproximação de humanos. Chahin recomenda que o investimento seja feito em longo prazo. Ele conta que começou com um equipamento básico e aos poucos foi adquirindo modelos mais avançados.
“Trabalho com equipamento Nikon. Tenho uma D5, que uso para fotografia de animais e em ambientes de pouca luz. É uma câmera rápida e com ótimo desempenho em altas sensibilidades. Para paisagem, uso uma D800, com 36 megapixels. Tenho diversas lentes. A tradicional 50 mm f/1.4 uso para situações de baixa luz, quando preciso ser mais discreto e ágil. Tenho uma 14-24 mm f/ 2.8, que uso para panorâmicas diversas, uma 24-70 mm f/2.8, para paisagens, uma 60 mm f/2.8 Macro para detalhes e uma 200-400 mm f/4 para bichos e algumas composições de paisagens”, explica. Ele também sempre leva consigo uma toalha compacta, lanterna, capas de chuva para ele, a mochila e a câmera, facão, cantil cheio e pastilhas purificadoras de água. Anda camuflado, para se inserir com maior naturalidade na paisagem, e sempre usa botas e perneiras contra picada de cobra.
“É perfeitamente possível fazer grandes fotos e aprender muito com equipamentos mais básicos, mas o ideal é sempre buscar o mais avançado. Na hora H, uma câmera capaz de fazer disparo contínuo de alta velocidade pode fazer a diferença quando se quer fotografar uma onça dando o bote em sua presa. Você pode economizar em equipamento, mas nunca economize em duas coisas: capa de chuva e botas. Calçar uma bota ruim acaba com sua viagem e uma capa de chuva que não cumpre direito o seu papel pode trazer enorme prejuízo financeiro”, adverte.
A magia nas asas de um tangará-dançarino
Um momento mágico vivido por Victor Chahin quando tinha 12 anos de idade transformou sua vida para sempre e direcionou o seu caminho no sentido da fotografia de natureza. Era uma viagem de colégio para a Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo. O professor de Biologia, Reinaldo Haiek, levou alguns alunos curiosos para conhecer um pouco das aves da região. Durante o passeio, ele parou de repente e pediu aos alunos que ficassem em silêncio. Tirou do bolso um gravador e começou a gravar.
Terminada a gravação, reproduziu o som registrado, com o belo canto de uma ave. Os alunos presenciaram então uma técnica bastante usada pelos observadores de aves, chamada de playback, que consiste em atrair um pássaro por meio da reprodução de seu canto. Ao ouvir o som, o pássaro se aproximou do grupo e criou sensação entre os alunos. Chahin estava com uma câmera compacta e mal conseguiu registrar a pequenina ave azul com o topete vermelho em meio aos galhos de uma árvore. O professor não revelou na hora que ave era aquela. Preferiu alimentar a curiosidade dos alunos.
À noite, antes de sair para o jantar, ele entregou aos alunos um exemplar do livro Aves Brasileiras, de Johan Dalgas Frisch, o mais completo compêndio da ornitologia brasileira, e orientou que eles buscassem identificar qual era a ave que haviam avistado. “Era um tangará-dançarino macho, uma das mais belas e marcantes aves da Mata Atlântica”, recorda Chahin.