Em 2001, ao assistir A Caminho de Kandahar, do diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf, fiquei profundamente tocada pela beleza e crueldade estampadas no filme.
A cena das mulheres de burca em diferentes cores cruzando o deserto monocromático, sem rosto, sem identidade, foi uma das mais impactantes.
A época era do primeiro governo do Talibã (de 1996 a 2001) no Afeganistão, que impôs uma visão fundamentalista da lei islâmica (sharia) obrigando as mulheres a se cobrir da cabeça aos pés e proibindo-as de estudar, trabalhar e sair de casa sem um acompanhante masculino.
Em 2024, desembarco em Cabul, capital do país, três anos após a retomada dos talibãs ao poder. Uso um vestido longo e um lenço (hijab) na cabeça, como fui orientada. Outros tempos, ditames semelhantes. A burca já não é mais obrigatória, mas a falta de um hijab, passível de prisão.
Apresento-me aos talibãs em cada província visitada para obter uma autorização. Apesar disso, a sensação era a de estar clandestinamente no país. Minha vida passou a ser monitorada e meus passos seguidos.
O tão aguardado caminho para Kandahar, ao sul do país, foi longo, árido e idílico.
Até 15 de agosto de 2021 era impossível aos turistas estrangeiros visitar a cidade, muito menos por estrada, já que ela era repleta de bombas, minas terrestres e sequestros. Sede espiritual dos talibãs desde 1994 é a cidade mais conservadora do Afeganistão.
Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, fui tolhida da liberdade de fotografar, principalmente mulheres. “Roubo” algumas imagens através das janelas fechadas do carro, como se estivesse usando uma burca azul- esverdeada.
E assim foi também no caminho de Kandahar até Herat, cidade considerada mais aberta e liberal. Mas lá, eis que vestidos “fora do padrão” presos por uma corda numa parede chamam minha atenção. Uma imagem gritante nessa terra onde só os homens parecem ter vida e voz.