A recente série Os Invisiveis, dá mostras de questões centrais da vasta produção fotográfica de Mariza Formaggini que nela se debruça, com a habitual delicadeza e senso ético inviolável, sobre uma leitura sensível do ambiente.
Como se já não fosse o bastante apresentar-nos uma ruptura da lógica pela reorganização das imagens com indiscutível leveza e um ponto de vista aéreo, sugerindo personagens como que desapegados do chão e por vezes aparentemente mantidos apenas por cordas metafóricas na fachada de um prédio hipotético, a fotógrafa ainda nos envolve com sua abordagem topográfica de inclinação lírica em que persiste uma atmosfera contemplativa e de certo modo atemporal.
Imagens do cotidiano que poderiam se apresentar como simples registros da movimentação usual num canteiro, em vez disso, sugerem tal refinamento estético que parecem compostas como naturezas-mortas de acento metafísico.
Sua sutileza monocromática tende a insinuar as tramas de um tecido temporal que no piso rústico de concreto se desenrola e vai acamando seus véus, feito de percursos sobrepostos, ora tatuando a superfície com a memória de trajetos, pelas inscrições ali deixadas com a passagem de pneus incógnitos, ora enraizando as fissuras da secagem do cimento, as quais bem podem levar o curso dos dias para mais fundo e atiçam o nosso olhar para a materialidade do piso. Enfim, ocorrência nenhuma parece passar ao largo do olhar poético de Mariza; nem mesmo as situações mais voláteis como pequenas nuvens de poeira à distância, a quase sensualidade dos cabos de energia espraiando desenhos efêmeros no chão, a vazante de poças d’água gerando bem abaixo dos pés, por vezes, indícios das nuvens do céu.
Texto do artista visual e curador Antonio Paiva.