Esse trabalho começou em meados de 2000, numa excursão do ensino médio com o professor de História para a cidade de Redenção, a primeira do Ceará a libertar os escravizados. Durante a visita ao museu Negro Liberto, lembro que logo ao entrar pela casa grande, a espaçosa residência da família branca, senti se materializar diante de mim parte da história narrada nos livros. Em seus vários ambientes, além de objetos e móveis bem conservados, retratos de família emoldurados nas paredes e em porta-retratos espalhados pela sala mostravam o luxo e a imponência de uma classe social. Na parte externa do museu estavam as hoje desativadas máquinas de moer cana de açúcar, antes movidas a suor e dor. Na lateral esquerda da casa, uma placa indicava que meu primeiro encontro com uma Senzala se aproximava.
Tão extensa quanto à casa grande, não existia porta e a entrada era do tamanho de uma janela pequena. Na verdade, nada mais era do que um buraco pequeno por onde era necessário se agachar para acessar o interior, que se resumia a um ambiente escuro, que emanava pânico e que hoje servia de habitação apenas para morcegos. Ferramentas de tortura. Faltou-me o ar.
O profundo mal-estar que tomou conta de mim me impediu de explorar a totalidade daquele espaço. Foi uma vivência impactante e inesquecível.
Depois de mais de 21 anos retornei à Redenção com um grupo de fotógrafos: mais uma vez lá estava eu naquele museu, dessa vez conduzida por uma guia local. Todos os cômodos estavam do jeito que eu lembrava, mas a senzala, para minha surpresa, estava totalmente modificada: a entrada agora era um portão que nos conduzia a uma entrada de luz. O ar circulava.
O uso das ferramentas de tortura agora eram ilustrados por pinturas nas paredes, onde pessoas negras eram maltratadas. Seguindo pelos vãos da senzala (dessa vez consegui seguir em frente) havia uma sala branca com desenhos de entidades de religião africana. Identifiquei Exu, Ogum, Iansã e Iemanjá.
O mal-estar até então controlado descompensou com a repentina fala “essa sala é uma homenagem dos donos aos escravos”, complementada por um “eles eram bons patrões”.
Do resultado do meu incomodo, da minha revolta e da minha indignação, surgiram imagens onde retrato as realidades de duas classes distintas que fizeram parte de uma história do Brasil até hoje passível de romantização por muitos, que por pudor tentam esconder e até mesmo apagar a imensurável crueldade humana.
Cuidado com a história que vocês contam.