Uma investigação das tradições e identidade dos povos tradicionais que habitam o Delta do Parnaíba, uma região única continentalmente e pouco conhecida do nosso país. O Delta do Parnaíba é constituído por 85 ilhas e se estende por três estados brasileiros. É um ecossistema precioso, mas também um território que enfrenta desafios significativos, incluindo a especulação imobiliária, conflitos territoriais e turismo predatório.
Nesse contexto, este portfólio representa uma busca documentar e enaltecer as ricas tradições dessas comunidades, e dessas pessoas herdeiras diretas da nossa cultura indigena e ribeirinha, tão pouco compreendida e intenta ser um elemento na compreensão de sua identidade coletiva.

Em uma foto de tons azulados, vê-se de baixo para cima um homem, pescador, em seu rancho, segurando um arpão. Este instrumento é essencial na pesca artesanal do camurupim, uma técnica que envolve um intenso embate entre o homem e o peixe. Primeiro, o peixe é capturado pelo anzol; em seguida, o pescador espera pacientemente até que o peixe se canse. Quando o peixe se aproxima do barco, o arpoador acerta o golpe final, trazendo-o para dentro da canoa. Esta cena captura a habilidade e a perseverança dos pescadores do Delta do Parnaíba.

Visto de cima para baixo, um homem deitado em uma rede olha diretamente para a câmera, segurando um crucifixo prateado. Seus olhos claros e pele avermelhada refletem a vida ao ar livre. O rancho é o refúgio do pescador, um lugar onde eles cozinham, socializam, jogam, bebem e descansam. Este momento de tranquilidade captura a essência do cotidiano dos pescadores que passam dias acampados nas ilhas do Delta do Parnaíba.

O mangue, capturado nesta foto, revela um cenário onde as raízes e galhos das árvores se misturam com o azul do céu e o esverdeado das árvores, com o rio ao fundo. Esta paisagem quase abstrata ilustra a beleza orgânica do Delta do Parnaíba. O mangue desempenha um papel crucial na resistência do ecossistema, funcionando como um verdadeiro ‘banquete dos mares’. É onde muitos organismos da nossa costa se alimentam e se desenvolvem, atuando como reciclador de matéria orgânica e mantenedor das taxas de oxigênio. Além disso, é um berçário natural para inúmeras espécies, sustentando a biodiversidade e a saúde ambiental da região.

Em uma parte mais aberta do mangue, as raízes e troncos caídos formam uma moldura circular ao redor de um catador de caranguejo que está no centro da foto. Ele usa chapéu, está sem camisa, tem a pele avermelhada e veste um calção vermelho. Ao fundo, o verde exuberante do mangue destaca o ambiente natural. Esta imagem sugere a importância de recentralizar o mangue como ponto de partida para discussões e visões de mundo, promovendo a descentralização dos discursos identitários. Ao afirmar que ‘o centro é o mangue’, enfatizamos seu papel vital no ecossistema e na vida das comunidades tradicionais.

Em uma foto de tons azulados, um caranguejo sujo de lama está amarrado a uma corda de caranguejo. A cata do caranguejo é uma atividade frequentemente discriminada, mas que requer muita habilidade e conhecimentos ancestrais. Cada caranguejo capturado é fruto de uma busca individual em um habitat que não é feito para os homens. Esta imagem destaca a complexidade e o respeito envolvidos na prática da captura, refletindo a profunda conexão entre os catadores e o mangue.

Em uma foto de tons azulados, vemos uma mão envelhecida, encharcada de lama e protegida por dedeiras, enquanto a outra mão, sem as dedeiras, tem apenas os dedos sujos de lama. A diferença entre as mãos reflete a prática da cata do caranguejo, onde apenas uma mão cava o buraco para encontrar o cativeiro do caranguejo. É comum observar que os braços dos caranguejeiros são diferentes, com um deles ficando mais claro e sem pelos devido ao constante atrito com a lama. Esta simbiose entre o homem e o mangue ilustra a intimidade e a adaptabilidade necessárias para essa atividade ancestral.

Na imagem, o corpo do Mestre Griô Seu Julinho está imerso nas águas azuladas do Rio Parnaíba, com apenas o rosto emergindo, exibindo um sorriso aberto. O fundo esverdeado do mangue contrasta com a serenidade das águas. Seu Julinho, catador de caranguejo, ri ao final de mais uma jornada de captura. Este momento captura a simbiose entre o homem e o rio, onde as águas oferecem vida e sustento, e o homem, em troca, cuida e respeita esse ecossistema vital.

Na imagem, dois pescadores acompanham seus dois filhos enquanto saem para buscar os manzuás deixados no mar para a pesca das lagostas. Neste momento, é visível a transmissão do saber ancestral da pesca, que como todo conhecimento tradicional, é passado de pais para filhos. Esta cena não apenas retrata uma atividade cotidiana, mas também ressalta a importância da continuidade cultural e da conexão entre gerações nas comunidades do Delta do Parnaíba.

Neste momento singular, dois jovens caiçaras compartilham uma canoa, enquanto um deles, sentado, observa com atenção seu colega saltar em direção ao rio. Na proa, o nome ‘Cecília Meireles’ destaca-se, evocando a presença da famosa escritora e sua conexão com as águas e a poesia. Esta imagem transcende o tempo, capturando um aqui e agora único, repleto de poesia. Como Cecília, que em sua tradução dos haikais de Bashô escreveu: ‘Velho tanque./Uma rã mergulha./Barulho da água.’

Na beira do mar, dois homens capturam o olhar da câmera. O primeiro, mais próximo, segura orgulhosamente os frutos da pesca do dia, enquanto o outro, ao fundo, com uma bola nos pés. O céu azul reflete-se na areia úmida, criando uma tonalidade azulada neste retorno da despesca, quando o pescador descansa após o árduo trabalho ou aproveita para uma pelada no fim do expediente marítimo. Este instante na beira do mar é o cotidiano capturado.

Dona Maria Luiza, líder das marisqueiras de Ilha Grande, segura com firmeza um landuá na frente do rosto – um artefato de pesca tradicional composto por uma rede amarrado em uma tira de madeira em forma arredondada, símbolo da mariscada. Seu rosto se mistura com a rede. Dona Maria Luiza, representa a força e a luta das comunidades tradicionais do Delta do Parnaíba, preservando as ricas tradições e a identidade cultural de seu povo em meio a desafios constantes.

Davi, envolto pelas águas do Rio Parnaíba, brinca enquanto marisca com sua família. Nesta região, o rio dita o ritmo da vida. As águas que fluem carregam significados diversos para as comunidades ribeirinhas do Delta do Parnaíba. É aqui que as crianças aprendem a nadar através de brincadeiras nas margens dos rios, dando-lhes autonomia para explorar os espaços comunitários e participar ativamente do mundo da pesca junto aos seus familiares. Esta imagem de Davi é uma representação vívida da simbiose entre as crianças e o rio, onde as águas não apenas proporcionam diversão, mas também ensinam lições essenciais de sobrevivência e conexão com a natureza.

Nesta cena, testemunhamos o fim de uma pescaria de camurupim, onde o peixe de grande valor comercial é cuidadosamente repartido. A parte próxima ao rabo, conhecida como chambiritó, é reservada para a família do pescador, enquanto a mandíbula é retirada como um troféu da pescaria. Os camurupim são peixes de grande porte, difíceis de serem pescados, e estão ameaçados por armadilhas predatórias, resultando em sobrepesca e impactando a tradição da pesca do camurupim. Esta imagem é um lembrete da valentia necessária para enfrentar os desafios da pesca tradicional e a importância de preservar as espécies e as tradições locais

Contra a luz do entardecer, a silhueta de um menino de boné lavando seu cavalo ao fim do dia emerge na paisagem. O céu se torna pesado de azul, com o sol despontando em tons de laranja no horizonte distante. É o fim do dia na ilha Grande de Santa Isabel, um momento sereno e poético onde a conexão entre o menino e seu cavalo se funde harmoniosamente com as cores vibrantes da natureza. Esta imagem é um testemunho da simplicidade e beleza da vida cotidiana nas comunidades ribeirinhas do Delta do Parnaíba.