Há quase 2 anos venho acompanhando fotograficamente Ivanil Ferreira, o Careca. Ele tem 52 anos e mora na rua há 26 anos.
Sua “residência” fixa atual é no Jardim de Alah, Ipanema, bairro nobre do Rio de Janeiro. Ele dorme, de forma sempre improvisada, ao lado do burro-sem-rabo (carroça), seu veículo de trabalho. Tem um cobertor e um travesseiro, duas malas e uma caixa de ferramenta, um plástico preto para chuva e cópia de seus documentos, algumas poucas roupas e um chinelo.
Sua “casa”, assim chamo o local onde ele mora, é mutante, pois dependendo do material reciclável que ele recolhe nas ruas, muda de forma diariamente. Nada fica ali por mais de alguns poucos dias. O apego é nulo. As coisas têm um valor monetário, sua subsistência.
Durante a semana, pessoas vêm de longe comprar dele e de outros catadores de recicláveis, o alumínio, papelão, ferro, cobre, plástico, vidro e diversos outros tipos de material. Pessoas do bairro – moradores e comerciantes – também o procuram para retirada de entulho de obras, descarte de instalações hidráulicas, de sistemas de ar condicionado, móveis, utensílios, livros, roupa, etc. Tudo é passível de reciclagem.
Quando o conheci fiz algumas perguntas e uma delas, foi: qual é o seu sonho, Careca? Sua resposta permeou todo a minha captura das imagens do projeto. Sabendo que seu sonho era ter uma casa, passei a olhar seu local de moradia como uma casa possível. Passei também a me questionar sobre o que era essa casa dos sonhos do Careca, como eu a enxergava? Como ele a enxergava?
Ainda sem respostas, resolvi perguntar a pessoas de meu convívio o que achavam que seria a Casa do Careca. Como a enxergavam do ponto de vista de um morador de rua há tanto tempo. Como seria esse espaço para alguém cujas referências de casa ficaram num passado tão distante. Ele não tem mais nenhum contato a indagação sobre o que seria a Casa do Careca, surgida no início do projeto, resolvi buscar respostas entre as pessoas cujas casas são sólidas, permanentes, cheias de lembranças, objetos pessoais e cama para dormir um sono cheio de sonhos.
A essas pessoas fiz um pedido: que desenhassem a Casa do Careca. Sem censura, sem medo, sem resistências, que apenas expressassem numa folha de papel, o que seria esta casa dos sonhos dele. A partir de uma foto que ofereço, peço apenas liberdade de expressão.
As pessoas convidadas são de diferentes gêneros, idades, cor e classe social. Quando todo esse material estiver disponível, eu me sentarei com o Careca, que também terá sua chance de desenhar sua casa, para tocarmos bem concretamente num sonho a ser realizado.
O que teremos então? Só no final saberemos. A Casa do Careca está em construção.