A série Desassossego teve início em 2020 e se prolonga até hoje, 2024. É fruto de minha reflexão e produção artística acerca das sensações, percepções e afetos alavancados a partir da disseminação do vírus Covid 19 e suas mutações no corpo social. Como artista, afetada por estar em um mundo, aparentemente, em deriva, fui tomada pelo desassossego e pelo medo frente a esse inimigo mortal e invisível, bem como com todo o mal a ele associado e por ele exacerbado. No pós-covid, a exacerbação se intensificou; o mundo explode e se esgarça apresentando como nunca antes, suas feridas e mazelas.
A civilização, dita ocidental (Ocidente não como localização geográfica, mas como um modo de ser, estar e agir ligados as forças do capital; tais modos estão pulverizados pelo planeta em núcleos de poder econômico e cultural), perpetua e acerba divisões e cisões entre os seres humanos. A diferença, mais do que nunca, se transformou em algo que, pela lógica do sistema, deve ser silenciada. As minorias, em termos de detenção de poder, como as mulheres, os desviantes, os pobres têm suas falas despontencializadas através de governos de déspotas e pela máquina econômica que os acompanha.
A natureza, nosso bem maior e fundamental a nossa sobrevivência no planeta, é espoliada diariamente por uma máquina mortífera que além de devorar tudo por onde passa, no processo, devora a si mesma e se reinventa. O que restará? Essa pergunta me coloca em um desassossego permanente e o que me resta é o deliro. Tal delírio é feito de imagens onde tempos e geografias se sobrepõem e o humano orbita como um fantasma.
Em tal contexto, medos não tão irracionais afloram, barreiras e muros crescem por todos as partes e passam a separar os considerados de dentro dos considerados de fora. O mundo torna-se cada vez mais binário, excludente com aqueles que não se encaixam, com aqueles que fogem a norma estabelecida.
Os nacionalismos afloram pelo mundo inteiro, as democracias sufocam e com ela os ganhos civilizacionais também se vão. Líderes totalitários e messiânicos surgem como maestros de uma multidão aparentemente acéfala necessitada de um Grande Pai. A irracionalidade e a tirania tomam a linha de frente e a adesão ao tirano torna-se um ponto de fuga mortal. Um suicídio moral e coletivo tinge de vermelho o planeta. A Paixão e o desejo, o instinto de vida, são traídos e suplantando por Tânatos, morte. O canto da sereia aparentemente doce não o é, pelo contrário, é frio, sarcástico e calculista e a multidão delira.
Pretendo com as obras apresentadas, provocar um deslocamento do olhar, uma deriva do observador interessado para chamar atenção para o agora e tentar provocar um desencaixe para quem sabe, reverter, mesmo que minimamente, o movimento entrópico que se acelera no planeta. Penso que essa visão do caos pode ser mobilizadora, catártica.