Na última sexta-feira da Quaresma, quando o sertão se veste de púrpura e de silêncio, Oeiras, primeira capital do Piauí, recebe seus filhos e devotos para uma de suas mais antigas e emocionantes procissões: a de Bom Jesus dos Passos. Parte da grande celebração da Semana Santa oeirense, a procissão tem origem no século XVIII e se tornou, ao longo dos anos, um rito de fé, memória e resistência cultural.
Este ensaio fotográfico – parte de uma pesquisa iniciada em 2018 e ainda em construção – busca narrar, por meio da imagem, as expressões de fé, pertencimento e resistência cultural que emergem da Festa dos Passos, maior manifestação religiosa do Piauí. O trabalho é conduzido com o olhar de quem nasceu na cidade, carrega a herança dos que vieram antes e aprendeu desde cedo a reconhecer o som do sino, o cheiro do alecrim e a poesia do roxo das flores artesanais que enfeitam os Passos.
Mais do que documentar um evento religioso, as fotografias deste portfólio intentam revelar os gestos íntimos da devoção: os pés descalços que avançam pelas ladeiras, os olhos que choram e acreditam, as mãos que tocam a imagem como se tocassem o próprio Cristo. Em cada quadro, há o desejo de captar um instante em que o sagrado se funde ao cotidiano e a fé se traduz em corpo, cor e silêncio.
A procissão parte da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e segue até a Catedral de Nossa Senhora da Vitória, atravessando o centro histórico da cidade. Ao longo do percurso, fiéis se detêm nas Capelas dos Passos, pequenos oratórios preparados com flores artesanais (as flores dos passos) e alecrim. Em cada parada, o canto pungente da Beú – figura popular que representa Verônica – anuncia a dor de Cristo e convida à reflexão, enquanto o bispo incensa a imagem de Bom Jesus e abençoa a multidão com a relíquia da Santa Cruz. O ápice do trajeto é o Sermão do Encontro, quando as imagens de Cristo e de Nossa Senhora das Dores se encontram diante do Paço Municipal, sob lágrimas, silêncio e comoção.
Trata-se de um testemunho visual de uma tradição viva, onde o passado se faz presente nas expressões de um povo que, geração após geração, carrega o peso do mundo sobre os ombros – e caminha. Caminha em busca de perdão, cura, consolo e sentido. E ao fazê-lo, oferece também um espelho do Brasil profundo: aquele onde o sagrado ainda tem rosto, gesto e calor humano.