No terreiro de Umbanda Omoloko Ilé Ifé Oxum Apará, cada folha colhida, cada canto entoado, cada corpo que dança em transe carrega a memória viva de um povo que atravessou séculos de dor, resistência e reinvenção. Esta série fotográfica é fruto de um acompanhamento profundo e respeitoso de processos de iniciação — as chamadas Feituras de Santo — revelando camadas de sentido que muitas vezes escapam ao olhar apressado.
As imagens aqui apresentadas não são meros registros documentais. São fragmentos sensíveis de uma escuta longa, de uma convivência ética, de um olhar implicado. Elas trazem à tona a força da espiritualidade de origem africana como caminho de reconexão com a terra, com o sagrado, com a ancestralidade e com o próprio corpo. Cada retrato, cada gesto capturado, fala de uma cura que não é apenas individual — é coletiva, cósmica, planetária.
O terreiro se manifesta, nesse ensaio, como território de saúde integral. Saúde entendida para além da medicina dos brancos, das estatísticas e das políticas públicas. Saúde como equilíbrio entre corpo, espírito, natureza e comunidade. Aqui, a cura se dá no encontro com os orixás, no toque do tambor, na partilha dos saberes, na presença da mata que tudo sustenta.
Em tempos de colapso climático, negacionismo e esvaziamento de sentido, esta série propõe uma revalorização dos saberes tradicionais e das tecnologias espirituais afro-brasileiras como práticas de futuro. A memória que atravessa essas imagens não se curva ao tempo linear da colonialidade. Ela resiste, reencanta e insiste — como o vento que move as folhas sagradas no início de um ritual.
“Quando a Terra Canta” é um chamado visual à lembrança. Um convite à escuta profunda de um Brasil ancestral e presente. Um gesto fotográfico de afirmação: o sagrado preto pulsa, vive, cura — e canta por todos nós.