“Remember me” nasceu do horror de ver quantos nomes de mulheres aparecem no mundo inteiro quando se digita a palavra “feminicídio” e senti a vontade de escrever com luz e sombra mais um triste protesto: lembrar estas mulheres não apenas como pontos num mapa do terror, mas das suas histórias, dos seus rostos. São vozes quebradas, silenciadas, desconstruídas, incapazes de imaginar que o amor pode ser violento.
Lembrei-me da ópera “Dido e Enéias”, do 1689, de Henry Purcell, e de como, por amor, Dido se deixa morrer cantando “Dido´s Lament (Remember me)”.
Em 2021 pedi às minhas colegas fotógrafas brasileiras que posassem para mim para “gravar” em seus corpos os nomes das mulheres mortas na Itália naquele ano: fotos de grão grosso, como fotos de jornais antigos. Os retratos são ficção, mas a história que lhes dá substância é tragicamente real.
E durante o período das fotos (quase dois anos), recebi relatos dessas fotógrafas e de outras mulheres que vivenciaram violência. Assim, o projeto foi aos poucos se transformando em uma responsabilidade profunda e comovente: falar para as que não conseguiam se expressar, uma missão titânica que me fez sentir o medo e a dor dessas mulheres abusadas (e ainda vivas).
As fotos que apresento aqui contém alguns dos nomes das mulheres assassinadas até agora em 2024 na Itália.
As intervenções artísticas em vermelho são criadas por mim diretamente nas fotos impressas com batons, esmaltes, lápis de maquiagem e tintas, um novo teste doloroso para mim.
Gostaria que este projeto se tornasse um futuro arquivo dos nomes e vozes perdidas no mundo. Gostaria de fotografar outras mulheres, não importa onde, que sofreram violência e que com os seus corpos se tornarão testemunhas dos gritos silenciosos das mulheres menos afortunadas. Meu trabalho é uma voz visual, um manifesto da tensão real da minha revolta contra a violência, uma tatuagem em nossa pele como mulheres, para não esquecer.
É um projeto doloroso, mas uma ferramenta necessária para que as mulheres se reconheçam num abuso e com o poder de dar esperança e coragem para falar e lembrar, sempre. que a violência contra as mulheres não tem fronteiras nem limites: um projeto que, infelizmente, parece não ter fim.