O Projeto Tecer o tempo caiçara é um projeto de longo prazo que teve início em maio de 2022 na comunidade da Praia da Barra, município de Maxaranguape, Estado do Rio Grande do Norte. Este trabalho decorre de pesquisa em fotografia e experiência, em que os sentidos do corpo-câmera são direcionados para o gesto fotográfico. Até o presente momento, foram realizadas 8 (oito) visitas à comunidade e o projeto segue em desenvolvimento.
A proposta inicial era buscar o desconhecido, um lugar, um encontro, que se mostrasse distante da minha realidade. A ação, por si só, já anunciava um universo de acontecimentos interessantes, que tem se concretizado e revelado um grande encontro de aprendizado e amizade.
A Praia da Barra é uma comunidade tranquila, um lugar que se assemelha àquelas vilas de pescadores do nosso imaginário, em que o ritmo do lugar é o ritmo dos barcos, dos passos dos pescadores e da prosa.
Ao me lançar na busca dessa experiência, conheci um pescador que já estava aposentado do mar e hoje em dia conserta as redes de pesca dos colegas. Sempre que chega rede para consertar, Carlos passa as manhãs e as tardes tecendo o tempo caiçara.
Absorvida pelo tempo do lugar, após caminhar sem pressa pelas ruas que antecedem a beira-mar, observei atenta os arredores, ouvi o canto dos pássaros, as conversas distantes vindas do interior das casas e o som repetitivo de batidas vindo dos barcos ancorados na margem do Rio Maxaranguape. Observei o lugar à distância na primeira vez que estive na região, mas percebi olhares curiosos e hostis, então, não me aproximei naquele primeiro momento.
Num segundo momento, superada a tensão da aproximação, me dirigi à margem do rio e observei um senhor que trabalhava na manutenção de um barco. A câmera estava em punho, presa apenas por uma alça de mão. Desci até a margem e iniciei uma conversa com aquele trabalhador. Apresentei-me, ele foi bastante simpático, e, a partir daquele instante, fluiu uma conversa amistosa. Passado tempo suficiente para nossa ansiedade diminuir, perguntei se poderia fotografá-lo trabalhando e ele concordou. Afirmou que já fazia esse tipo de serviço há muitos anos e que trabalhava por todo litoral do Estado. Contou também que gosta muito de fotografia e sempre fazia fotos com o celular.
Desde a minha primeira aproximação à região, notei que uma roda de homens me espreitava à sombra de uma árvore. No local, funciona um pequeno ancoradouro para barcos de médio porte e logo em frente está a Peixaria Bom Jesus.
Enquanto alguns se dedicavam à manutenção do barco João Romeu, outros se ocupavam das atividades de rotina da Peixaria Bom Jesus. O vai e vem dos pescadores dava o ritmo do lugar.
Mas, assim como ocorre com os barcos depois das intempéries, vi pescadores à deriva em terra e tive a sensação aprazível de que o tempo do lugar entrava na pele daqueles homens.
Em uma outra aproximação do corpo-câmera com os pescadores, iniciei uma conversa com um senhor que estava sentado na beira da praia e ele me contou sobre os acidentes que acometem os pescadores mergulhadores. A imprudência e a falta de equipamento adequado deixam muitos pescadores da comunidade incapacitados para o trabalho no mar. Também relatou emocionado a perda de alguns amigos nesse tipo de acidente. Causou-me espanto caminhar pelas ruas e observar vários homens adultos e idosos portadores de deficiência, seja a paralisia de uma perna ou das duas, devido à trombo embolia durante o mergulho.
Passado tempo suficiente para a observação curiosa dos nativos sobre a minha presença, um homem desceu para a margem do rio, se dirigiu até mim e perguntou quanto custava uma câmera como a que eu empunhava. Senti-me deslocada com a pergunta, mas conversamos sobre câmeras fotográficas e depois ele se apresentou como o comandante do barco que eu estava fotografando. Depois da conversa com a autoridade do barco, um homem de voz firme e educada, os outros pescadores e ajudantes passaram a se movimentar com mais liberdade pela margem do rio.
Logo após esse aval implícito do comandante, fui chamada com um aceno pela proprietária do barco para me sentar ao seu lado. Eu estava com receio de que ela poderia reclamar da minha presença no lugar, mas me surpreendi quando pediu que eu me sentasse ao seu lado para assistir em seu celular vídeos de golfinhos que os pescadores faziam em alto mar.
A cada visita à colônia de pescadores, conversamos sobre a preparação e partida da embarcação para o mar, período em que a tripulação composta pelo Mestre Bega e 03 (três) pescadores passam 05 (cinco) dias em alto mar. Outros encontros se dão quando a embarcação volta à terra, carregada de peixes, que servem para venda, para partilha entre a tripulação e para doação às mulheres da comunidade. Nos intervalos de navegação, os pescadores que embarcam passam em média 03 (três) dias em terra, período que dedicam à família e que realizam a manutenção dos barcos e do material de pesca.
As 15 (quinze) imagens apresentadas neste portfólio trazem um recorte da vida na colônia de pescadores da Praia da Barra. As relações pessoais, as atividades manuais que se ramificam na família, a pesca artesanal transmitida entre gerações, inclusive, os conflitos ocasionados pelo uso de álcool e drogas ilícitas pelos pescadores.
Em todas as visitas à comunidade da Barra, ocorre uma intensa troca de experiências com as pessoas da colônia de pescadores. Enquanto eles compartilham os saberes nativos, eu me coloco à disposição para ensinar técnicas fotográficas básicas para que eles possam usar nas suas relações interpessoais, além de estimular a produção de imagens como parte da expressividade artística humana.