Na história recente do planeta, o ano de 2023 foi o mais quente já registrado – e talvez o mais ameno do Capitaliniano, a primeira Idade geológica do Antropoceno, Época caracterizada pela dominância do Homo sapiens como principal força geológica da Terra. As mudanças climáticas, amplificadas pelo El Niño e por eventos extremos pontuais deixaram suas marcas nos termômetros e nos ecossistemas sensíveis à temperatura. Glaciares e geleiras de latitudes médias, em especial, sofreram perdas de volume e área pelo seu derretimento sem precedentes.
O icônico Glaciar do Monte Perdido, um dos últimos glaciares da Península Ibérica e o terceiro em extensão, com superfície de pouco mais de 50 ha e 50 metros de espessura, não foi exceção. Este glaciar é um tesouro natural nos Pirineus, e seu gelo registra cerca de dois milênios de história climática da Terra. Porém, derrete a uma velocidade alarmante devido ao aumento das temperaturas, causadas pela emissão de gases de efeito estufa derivados de petróleo, e também pela deposição sobre a neve e o gelo de partículas que acompanham as emissões desses gases.
No atual ritmo de degelo, é provável que o Glaciar do Monte Perdido – assim como a maior parte dos glaciares no mundo – desapareça por completo em menos de 50 anos. As consequências ecológicas dessa perda são imensuráveis para o ecossistema Pirenaico e global. Além disso, climaticamente, a perda de glaciares ou a diminuição do seu albedo pela deposição de matéria particulada, significa um sistema ainda mais quente, acelerando o aumento da temperatura planetária.
Na esfera social, porém, o impacto da perda glaciar é bem conhecido: milhões de pessoas dependem diretamente da água armazenada em forma de gelo e neve que, no passado, derretiam mais lentamente, abastecendo reservatórios naturais ou artificiais. Desa forma, os glaciares garantiam a soberania hídrica e alimentar das populações à jusante. Agora, o derretimento acelerado coloca em xeque a disponibilidade de água durante a estiagem e aumenta o risco de enchentes em áreas de vulnerabilidade social na época de degelo.
Por isso, esse ensaio é um alarme sobre a vulnerabilidade dos ecossistemas glaciares, sobre a necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas e pensar em ações para a conservação desses registros históricos naturais, que ajudam a entender as condições climáticas passadas da Terra. Graças aos registros naturais, sabemos que em outras Épocas e Idades geológicas, essas condições eram menos favoráveis à vida humana como a conhecemos agora. O Antropoceno caminha a passos largos para um ambiente mais hostil à biosfera adaptada ao clima Cenozoico, e levará com ele as histórias não reveladas pelos glaciares perdidos.