Além de viver da fotografia, cobrindo eventos e pautas, Rogério Vieira também se dedica a contar histórias visuais sobre a periferia das grandes cidades, com o foco em São Paulo, onde vive. Como o ensaio Somos Todos Alvos Aqui, ele conquistou o Grande Prêmio Fotografe 2021, obtendo o primeiro lugar geral no concurso anual da revista Fotografe.
O ensaio foi realizado com filme analógico e retrata jovens rapazes que vivem na periferia de São Paulo (SP) posando com objetos que representam instrumentos de trabalho. Faz menção direta à forma com que a polícia costuma abordar os jovens periféricos, confundindo objetos banais com armas e trabalhadores com bandidos.
A abordagem crítica é uma marca do trabalho de Rogério Vieira, que concedeu entrevista ao Festival de Fotografia Documental por email, inaugurando uma série de entrevistas com participantes do Grande Prêmio Fotografe 2021 e do Prêmio Mobile Fotografe 2022 que se destacaram por seus Ensaios, tendo como objetivo divulgar talentos emergentes na fotografia documental brasileira.
Confira abaixo:
1 – Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
46, atualmente vivo e trabalho em São Paulo.
2 – Como e quando começou a fotografar? O que o motivou? Conte um pouco de sua trajetória na fotografia.
Comecei a fotografar em 2007 apenas por diversão, influenciado por pessoas próximas. Então, decidi fazer um curso de fotografia nos finais de semana mesmo não tendo ainda uma máquina fotográfica, mas não demorou muito e comprei minha primeira câmera, uma Olympus OM1. Comecei fotografando amigos, pessoas desconhecidas nas ruas de São Paulo e a cada filme revelado o gosto pela fotografia aumentava.
Em 2008, participei de uma exposição coletiva e ganhei meu primeiro cachê, com isso percebi também que poderia ir além e depois de alguns cursos livres cheguei à faculdade de fotografia. A partir desse momento me dediquei totalmente a fotografia, atuando nas áreas de eventos sociais, corporativo, fotojornalismo e trabalhos autorais.
3 – A fotografia tem qual lugar em sua vida atualmente? Como define seu estilo criativo?
A fotografia na minha vida está dividida em três partes: registro fotográfico de modo operacional, afinal tenho contas para pagar e não tenho vergonha de dizer que faço fotos de eventos como festas infantis e casamentos para minha sobrevivência; faço fotojornalismo, que é outra área em que atuo e gosto muito; e construo os projetos autorais, esse sempre me dedicando a um tema, lugar que conheço bem, a periferia, que retrata erros, acertos, traumas sociais e obviamente a cultura de rua, sempre me baseado em retratos.
4 – Pode nos contar um pouco sobre a gênese a proposta do ensaio Somos todos alvos aqui? Esse trabalho ainda está em andamento?
Em uma das visitas que fiz aos meus pais em 2019, como já é de costume nas despedidas, minha mãe sempre faz suas recomendações e naquela noite não foi diferente.
– Rogério, você está com documentos? Olha, toma cuidado com a polícia, olha o que acontecendo.
O mais intrigante é que em suas palavras “toma cuidado na rua”, não era exatamente relacionado a um furto ou sofrer um assalto, era sobre a polícia.
Fui para casa e no caminho lembrava das palavras da minha mãe e lembrei também que ela me dizia a mesma coisa, só que há 30 anos:
– Você vai sair, leva o documento e o holerite.
Passaram todos esses anos e nada mudou, nas abordagens policias, que não foram poucas, era sempre importante provar que você trabalhava, entre 14, 15 anos um jovem preto já deveria provar que tinha carteira assinada.
A violência policial não é novidade, mas nos últimos anos ficou, mais evidente, espancamentos de jovens, que na sua maioria são de pele preta. Isso é recorrente nas periferias de Brasil.
E mais! Um homem é morto pela policia portando um guarda chuva, um jovem é baleado portando um macaco-hidráulico em suas mãos, morador de favela é baleado com sua furadeira, trabalhado na própria casa.
Fiz as duas últimas sessões no final do primeiro semestre de 2022 e ideia é fechar a série com 25 imagens.
5 – Quais são suas principais referências? Quem ou o quê influenciou ou influencia seu trabalho criativo?
Quando eu comecei minhas influências eram como da maioria, os grandes nomes do fotojornalismo brasileiro, europeu, americano, as agências famosas, eu lia sobre essa galera o tempo todo, principalmente os retratistas, Steve McCurry é uns deles.
Com a passar do tempo, na medida que a minha pesquisa aumentava, fui percebendo que tinha muito além daqueles nomes famosos. Recentemente em uma conversa com uma amiga ela me perguntou quais fotógrafos eu gostava, eu falei a mesma coisa, ela pediu um exemplo, eu citei o Jon Henry que tem um trabalho incrível e ela disse: ah, aquele que tem série parecida com seu trabalho, eu fiquei feliz pra c****** e pedi para ela repetir o que tinha dito.
Uma simples imagem que traz uma grande história, é o que me motiva.
6 – Em qual projeto fotográfico trabalha atualmente? Como podemos acompanhar sua produção?
Venho trabalhando já há algum tempo em outro projeto que se chama “Poetas de Sangue”. Esse trabalho que tem uma pegada mais documental, com as batalhas de Rap em São Paulo e grande São Paulo, mas também contará com alguns retratos. Por conta do isolamento ele ficou um pouco de lado, mas espero retomar em breve.