Apesar de formado em Musicoterapia, a fotografia falou mais alto para André Valentim, que decidiu seguir na profissão de fotógrafo no final da década de 1990, após realizar uma série de cursos e atuar como assistente na Agência Tyba, no Rio de Janeiro. Uma passagem pela Editora Abril no início dos anos 2000 serviu para ele como uma verdadeira “escola de retratos”.
Entre os anos de 1999 e 2003, André Valentim desenvolveu um tocante trabalho de documentação na Fazenda Modelo, na zona oeste do Rio. O local foi um dos maiores abrigos de mendigos do mundo. A princípio, o trabalho tinha como objetivo mostrar o cotidiano do local, porém evoluiu aos poucos para uma série de retratos de seus moradores, em um esforço de ir ao encontro do outro e mostrar a individualidade e a singularidade de pessoas que são excluídas e apartadas do mundo, tornando-se “invisíveis” para a maior parte da sociedade, que insiste e se esforça em não vê-las.
O Portfólio intitulado “No olho da rua” é um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2023. Os retratos que compõem o trabalho foram co-produzidos em parceria com o moradores da Fazenda Modelo, que foram retratados com os objetos e as roupas que escolhiam. Conheça os detalhes desse portfólio e da trajetória de André Valentim.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 49 anos, sou casado e tenho um filho de 9 anos. Moro na cidade de Nova Friburgo na região serrana do Rio de Janeiro. Atualmente trabalho como freelancer para diversos veículos de comunicação editorial e institucional no Brasil e no exterior.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Desde a minha infância, a fotografia se fez presente através dos registros fotográficos que meus pais faziam com uma câmera compacta da Kodak. A Instamatic ou “Xereta” que foi muito comum nos anos 70/80.
Quando foi no ano de 1994, em um período que cursava a faculdade de Psicologia e Musicoterapia, através de alguns amigos, tive meu primeiro contato com as cameras FM2 da Nikon e a K1000 da Pentax. A partir deste momento, pude ver a grande diferença da qualidade de imagem que tinha de uma câmera compacta para as câmeras semi profissionais (ou profissionais) e me encantei pela fotografia.
Após me formar em Musicoterapia pelo Conservatório Brasileiro de Música no ano de 1996, o querer em expressar a arte através da fotografia e também o querer de tornar-me um fotógrafo profissional foi mais forte. Nesta época comecei a estudar fotografia e fiz alguns poucos cursos que tinham disponíveis nos anos 90 como por exemplo, cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage ministrado pelos professores Cesar Bartolomeu, Ruth Lifschits e Paula Trope, Oficinas do “Foto In Cena” e, cursos mais técnicos no Senac. Nos anos de 1998 e 1999 o conhecimento fotográfico se consolidou com a oportunidade de trabalhar na Agencia Tyba fazendo assistência, principalmente, para os fotógrafos Rogerio Reis e Bruno Veiga. No ano 2000, depois da conclusão do Curso Abril de Jornalismo em Revistas, trabalhei na revista Exame / SP; este lugar também foi uma verdadeira “escola de retratos”. Em 2001, fui convidado para trabalhar na Agência Strana que fazia a fotografia da revista Veja Rio. A partir do ano de 2008, atuei e continuo atuando como freelancer para diversos veículos de comunicação editorial, institucional e publicitário no Brasil e exterior.
Além de ser a minha profissão e meu sustento, vejo a fotografia como uma expressão da arte, um poderoso instrumento no sentido da preservação da memória, cultura e origens. Através da fotografia as memórias também podem ser guardadas e lembradas pelas gerações futuras. Conto histórias da vida humana através de imagens.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2023. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Este trabalho foi realizado na Fazenda Modelo, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Foi um dos maiores abrigos de mendigos do mundo que já existiu. Entre os anos de 1999 e 2003, o médico Marcelo Antônio da Cunha, que na época era o diretor da instituição, permitiu o meu acesso ao abrigo para que eu pudesse desenvolver este projeto fotográfico. A principio, este trabalho tinha como objetivo mostrar o cotidiano da Fazenda Modelo mas com o tempo o foco principal passou a ser retratar as pessoas residentes do abrigo e contar suas histórias de vida. Tanto que os retratos foram feitos a partir das preferências dos mesmos, o que significa dizer que eles escolhiam a roupa, o objeto e o lugar onde queriam ser fotografados. O intuito desse diálogo que visava convidá-los a co-criar a imagem junto a mim (fotografo), foi a de construir um ensaio que retratasse a individualidade de cada um, mostrando não apenas rostos que se perdem na multidão dos marginalizados, mas dar alguma identidade a pessoas que têm histórias e que são seres humanos.
Acredito que este trabalho é uma maneira de ir ao encontro do outro e acessar uma realidade que nos cerca e que muitas vezes não querem ver ou fingem não existir ou até mesmo, escolhem desviar o olhar. E mais, quando enxergam não veem.
Ao longo da minha trajetória como fotógrafo, o retrato sempre esteve presente de alguma maneira no desenvolvimento do meu trabalho autoral. Seja em questões de cunho social ou cultural, onde desenvolvi trabalhos que têm como foco o ser humano. Além do trabalho da Fazenda Modelo, também realizei um ensaio fotográfico com personagens folclóricos e religiosos denominado “Tradições”, fiz outro ensaio com os índios da tribo Rikbaktsa na fronteira do Mato Grosso com a Amazônia, também fiz um ensaio em cinco cidades indianas e pude retratar sadhus (homens santos) e cidadãos indianos entre outros trabalhos.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Continuo trabalhando no meu acervo fotográfico composto por alguns portfólios que têm como foco o ser humano (conforme os citados na pergunta anterior) e tenho desenvolvido também alguns projetos relacionados à natureza. Dentre os projetos que tem como tema a natureza, destaco o projeto “Pau Brasil” onde fotografo mudas de plantas do bioma da Mata Atlântica que já teve mais de 75% do seu território original destruído pelo crescimento dos centros urbanos. Também estou desenvolvendo um ensaio nas florestas da região serrana do Rio de Janeiro com a técnica de “lightpainting”.
Meu plano é continuar o meu trabalho fotográfico de maneira que meu olhar possa trazer reflexões acerca do ser humano e de como a vida se constitui.