A fotografia e o autorretrato podem ser veículos para tratar de questões psíquicas não observáveis a olho nu. É assim que Daniela Ferreira faz uso da imagem fotográfica no projeto “Eu é um Outro“, iniciado em 2022. Psicanalista, ela propõe um olhar indagativo sobre o que costumeiramente identificamos como ‘eu’.
Através de composições nas quais o corpo aparece de forma evanescente, Daniela Ferreira propõe uma reflexão acerca da relação entre psique e corpo, utilizando como inspiração os conceitos de estranhamento, não-linear, não-causal, infamiliar e absurdo. Uma das imagens do projeto, intitulada “Pan-óptico”, está entre as finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024.
Descubra mais sobre a autora e a originalidade de sua proposta na entrevista que segue.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Tenho 38 anos, resido e trabalho em Curitiba.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
Adquiri minha primeira câmera digital e comecei a fotografar despretensiosamente há pouco mais de uma década. Por vários anos a fotografia para mim girava em torno de viagens e eventos onde exercia esse hobbie. Mas me conectei significativamente com a fotografia há cerca de 3 anos atrás, através da fotografia experimental. A partir da liberdade criativa que só então encontrei no ato de fotografar, passei a explorar a fotografia mais a fundo e de novas formas. Desde então, tenho a fotografia como ferramenta artística e investigativa, através da qual exploro algumas áreas de interesse como a interface entre arte e psicanálise, a relação corpo-espaço, e a psique humana.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
Iniciei os estudos para o projeto “Eu é um Outro” no início de 2022, na cidade onde moro mesmo, e logo depois comecei a produzir as imagens. A produção se deu inteiramente na casa onde então residia. Foi meu primeiro projeto autoral, e também o produto (e exercício) daquilo que para mim era uma nova exploração da fotografia, onde desenvolvia novas percepções sobre as possibilidades criativas dentro da fotografia e por isso, considero ele extremamente central à minha produção fotográfica. As composições produzidas são majoritariamente autorretratos, desenvolvidos a partir de estudos, vivências e explorações no universo da psicanálise, então esse conjunto todo tem um valor bastante pessoal e significativo para mim.
O projeto é, em linhas gerais, uma exploração visual sobre o conceito de sujeito, propondo um olhar indagativo para o que costumeiramente identificamos como ‘eu’. Através das composições, busco apontar para a subjetividade existente na tentativa de apreensão de alguma realidade identitária, propondo algo como uma desconstrução do ‘eu’, o que nos coloca frente ao desconhecido e infamiliar, ao abismo, à ruptura. Trago para este trabalho também uma reflexão acerca da relação entre psique e corpo, considerando teorias sobre a ‘formação do eu’ e desenhando as composições a partir de um olhar para o modo que esse corpo habita e se relaciona com seu entorno. O efeito de estranhamento, o não-linear, não-causal, o infamiliar e o absurdo são elementos que servem de inspiração para o projeto.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Continuo trabalhando neste projeto, atualmente mais voltada para o trabalho com imagens já produzidas. Gostaria muito de, num futuro breve, pensar em um fotolivro para ele. Ainda relacionado ao projeto, tenho planos de fazer algumas experimentações com técnicas mistas nas imagens já produzidas, trazendo a fotografia híbrida como um desdobramento deste projeto. Atualmente estou montando um estúdio/ateliê caseiro para que eu possa realizar essas explorações, e também para produzir novos ensaios fotográficos para o projeto.
Fora isso, venho fazendo algumas imersões na fotografia analógica desde o início deste ano, principalmente explorando a fotografia de rua, e pretendo continuá-las.