Em suas produções autorais, Marcelo Prais busca desenvolver projetos que tragam propósito e significado para o maior número de pessoas possível, tratando de temas relevantes para a atualidade. No Ensaio “Fermentar”, um dos finalistas do Prêmio Portfólio FotoDoc 2024, ele retrata uma microprodutora de pães orgânicos gerida por Roberta Moura em uma Área de Proteção Ambiental em Ubatuba, no litoral de São Paulo.
As fotos do ensaio foram todas realizadas com uso de luz natural, combinando com a panificação livre de aditivos, conservantes ou produtos que não sejam 100% naturais. Sua abordagem conferiu homogeneidade ao trabalho.
Na entrevista abaixo, Marcelo Prais conta com esse ensaio nasceu e cresceu e também nos revela um pouco mais sobre sua trajetória e sua abordagem.
Quantos anos tem? Onde vive e trabalha atualmente?
Olá comunidade Foto Doc! Tenho 52 anos, vivo em São Paulo/SP e trabalho prioritariamente na capital mas também onde a fotografia me levar.
Conte um pouco da sua trajetória pessoal na fotografia. Quando começou a fotografar e por que? Qual papel tem a fotografia em sua vida?
A fotografia faz parte da minha vida desde a adolescência nos anos 80. Nessa época apenas admirava as obras de alguns nomes nacionais como Evandro Teixeira, Orlando Brito, S. Salgado e Cristiano Mascaro e outras referências internacionais como Steve McCurry, Brassai, Rodchenko e tantos fotojornalistas nos anuários do World Press Photo como expressão artística e documentação do mundo. As artes sempre estiveram presentes em casa posto que minha mãe foi bailarina clássica do Teatro Municipal de São Paulo. Pintura, escultura, cinema e animação, além da fotografia sempre me foram magnéticos como contemplação.
Na metade dos anos 90 e trabalhando na área de negócios/operações na indústria da publicidade, escolha feita pela urgência financeira, adquiri minha primeira câmera uma Pentax K-1000. Nessa época fiz meu primeiro curso com o grande Claudio Feijó, o “Descondicionamento do Olhar”, que sobrevive até hoje 30 anos depois. Mochilões para Índia, Nepal e Chile me aproximaram daqueles sonhos outrora distantes, aqueles similares aos que eu folheava nas edições impressas da National Geographic, com gente/culturas distintas, paisagens, vida selvagem e grandes histórias/personagens. Práticas em natureza e parques estaduais e nacionais eram meus interesses. As necessidades da vida cotidiana e os altos custos do processo analógico me levaram a manter a fotografia somente como hobby e um sonho futuro.
Com a chegada dos blogs e já com as Cybershots acessíveis, o hábito de fotografar diariamente se renovou. Família, dia a dia e o Mountain Bike praticado em meio a natureza eram meus temas. Sem nenhuma intenção a não ser o simples registro. Alguns anos depois investi em equipamento DSLR e continuei meus processos de documentação, de maneira empírica, pouca técnica e de certa forma ingênua. Novamente as urgências da vida em conjunto com a evolução dos aparelhos celulares e sua praticidade, hibernaram aquele ímpeto de fotografar de forma mais dedicada. O celular se tornou minha câmera portátil.
Anos a frente veio a pandemia. Aquela profissão consolidada em 25 anos de mercado publicitário deixou de fazer sentido e isso somado ao exercício do olhar que se manteve ativo em quase 3 décadas, me encorajou a investir tempo e recursos em uma formação profissional mais técnica e empenhada. Nesse momento o sonho antigo da fotografia passou a ocupar o papel de único caminho viável para realização profissional com satisfação e propósito.
Hoje a fotografia representa minha identidade pessoal e profissional. É minha forma de ler, de me relacionar e de documentar experiências além de fonte inesgotavel de aprendizado sobre temas, técnicas e pessoas, inspiração e meio de ganhar, literalmente, o pão e a vida.
Conte um pouco sobre seu trabalho finalista do PPF 2024. Quando e onde foi realizado? Qual a proposta? De que maneira e em que medida ele se encaixa em sua produção fotográfica?
“Fermentar” foi captado e gerido em entre Julho de 2022 e Novembro de 2023 em Ubatuba/SP. Foram usadas diárias divididas em 2 períodos, buscando apenas o uso de luz natural entre os horários de 7h às 10h da manhã e de 15h às 17h da tarde. Concepção, pré-produção, captação, edição e tratamento final de imagens realizados todos por mim, sem assistência.
A proposta buscou registro documental com narrativa poética do processo artesanal desenvolvido ao longo de alguns anos por uma micro produtora local de alimentos. A escolha da luz natural foi caminho óbvio e diretamente conectado ao processo sem aditivos, conservantes ou produtos que não fossem 100% naturais. A locação nessas diárias foi sempre a própria cozinha onde os alimentos são trabalhados para trazer verdade e realismo às imagens. Ali no meio de uma A.P.A. (Área de Proteção Ambiental).
“Fermentar” representa em grande parte o processo de trabalho e produção fotográfica que tenho desenvolvido. Em meus projetos busco ampla produção para criar opções de escolha e liberdade em diferentes formatos de edição. Unidade visual e de narrativa são sempre perseguidos como linha que costura e une diferentes imagens. Estas podem ser mais duras e diretas e foram suavizados em combinações cromáticas e detalhes de composição dirigidos e criados em pré-produção. Dá pra ser documental. Dá pra ser poético. E é isso que eu busco, um “documental poético”.
Em quais projetos trabalha atualmente? Quais seus planos para o futuro próximo em termos de produção fotográfica?
Atualmente desenvolvo trabalhos e projetos em diferentes frentes.
O que você encontra no projeto documental “Performance” é um registro fiel do processo, que traz desde os momentos de preparação até a etapa das competições, e isso se dá em diferentes modalidades, tais como a natação, esportes de ação e de contato.
O projeto “Memória S.A.” está sendo desenvolvido há 1 ano, e nele me proponho o resgate da ancestralidade por meio de histórias, estórias, imagens de arquivo e as revisitadas com vistas à ressignificação que a fotografia pode proporcionar de mais do único.
Em fase de concepção criativa, estou me dedicando a um projeto que busca dar visibilidade aos trabalhadores invisíveis do terceiro setor que estão presentes na vida de todos nós em alguma medida, e que por seus serviços trazem conforto e segurança, tornando o acolhimento e cuidado mais que uma atividade voluntária ou profissional, mas sim uma condição de sua humanidade.
Desejo continuar minha produção fotográfica autoral com projetos que tragam propósito e significado não só para mim mas que possa alcançar o maior número de pessoas possível.
Essa produção é suportada por trabalho comercial junto a área de eventos sociais, esportivos, retratos corporativos e de pequenos negócios.
Tudo que tem vida se transforma… como um ser com papel social que pode gerar impacto, vejo assim também o trabalho de um fotógrafo.
E assim seguimos.