Das florestas à fotografia, a trajetória do holandês Pieter Ten Hoopen é bastante heterodoxa. Nascido em 1974, em Tubbergen, formou-se em Engenharia Florestal e partiu ainda jovem para trabalhar nas matas da Suécia. Estabelecido no país escandinavo, interessou-se pela fotografia quando tinha 25 anos. O impacto da descoberta resultou em um desvio abrupto nos rumos da vida e ele se tornou um profissional de destaque mundial. Será uma das atrações da 15a edição do Festival Internacional de Fotografia Paraty em Foco, de 18 a 22 de setembro na cidade histórica fluminense.
Ten Hoopen formou-se em Fotojornalismo pela Nordens Fotoskola e foi membro da agência Moment (fundada em 2002), ambas em Estocolmo, capital sueca. “O ambiente da agência foi decisivo para meu desenvolvimento. Ela estava em seus primórdios, e eu, em início de carreira. Todos os fotógrafos se apoiavam mutuamente”, recorda ele. Foi atuando como membro da Moment que Ten Hoopen obteve a primeira repercussão internacional por um trabalho feito por ele, a documentação da destruição causada por um terremoto que atingiu, no dia 8 de outubro de 2005, regiões de três países: Paquistão, Afeganistão e Índia. Cerca de 73 mil pessoas morreram, 125 mil ficaram feridas e 3 milhões perderam as casas. As províncias do norte do Paquistão foram as que mais sofreram. Uma das cidades mais severamente afetadas foi Balakot, onde o holandês permaneceu por dois meses cobrindo as consequências do desastre.
Com o trabalho, Pieter Ten Hoopen esteve entre os ganhadores do Pictures of the Year International (PoY) em 2006. No mesmo ano, a série resultou em uma exposição no festival anual Visa pour L´Image, em Perpignan, no sul da França, um dos principais eventos voltados ao fotojornalismo e à fotografia documental no mundo.
Upgrade na carreira
Por meio de seu trabalho na Moment, Ten Hoopen pôde tentar, em 2009, uma vaga de membro na VU, com sede em Paris, França, e tida como uma agência voltada para a expressão autoral de seus membros. Como as duas agências já mantinham conexões, foi relativamente fácil fazer com que o portfólio dele fosse submetido e aceito. Naquele mesmo ano, o holandês se tornou fotógrafo da VU.
Entre 2003 e 2014, ele desenvolveu um projeto de documentação de longo prazo que lhe rendeu prêmios e resultou em sua entrada para o universo da imagem em movimento. Hungry Horse conta a vida de uma pequena cidade no estado de Montana, norte dos Estados Unidos, cujo nome é o mesmo do projeto – em português, traduzido literalmente, Cavalo Faminto.
Ten Hoopen iniciou o projeto poucos meses antes da reeleição de George W. Bush. A intenção era a de retratar a vida de uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos em um momento em que o país se lançava na guerra ao terror em resposta ao atentado das Torres Gêmeas, ocorrido em 11 de setembro de 2001.
Hungry Horse fica em uma região fortemente atingida pela desindustrialização em anos recentes. A vida pacata do local só é afetada durante os meses de verão, quando atrai turistas que se dirigem ao Parque Nacional Glacier, nas proximidades. O holandês se guiou pelas palavras do escritor americano John Steinbeck em uma citação que gosta de evocar para falar do projeto: “Estou apaixonado por Montana. Por outros estados tenho admiração, respeito, reconhecimento e alguns até afeição, mas por Montana é amor o que sinto”.
Ao longo dos 11 anos em que desenvolveu o projeto, Pieter se tornou amigo de moradores do local e se dedicou a contar suas histórias. Com o tempo, passou a filmar como uma maneira de ampliar os horizontes. O trabalho resultou em um livro e em um documentário distribuído por meio do site Media Storm. Pelo retrato de Katie, uma das personagens da história, ficou com o segundo lugar na categoria Retrato – Foto Única do World Press Photo de 2010.
“Fotos, textos e vídeos, essa combinação para mim é a melhor e ainda hoje acho que esse foi o trabalho mais completo que consegui produzir. Foi um projeto difícil e ao mesmo tempo prazeroso. Montana será para sempre uma das minhas casas no mundo. Se hoje filmo bastante, isso se deve ao projeto Hungry Horse, que me deu uma nova inspiração e criou novas possibilidades para contar histórias”, revela Pieter Ten Hoopen.
Abordagem poética
Além do formato cinematográfico, Pieter Ten Hoopen tem apreço pela publicação de livros. Acredita que essa é uma das melhores maneiras de dar saída em um projeto fotográfico, tendo em vista a criação de uma narrativa visual. Exemplos disso são os livros Stochkolm e Tokyo 7, publicados pela editora sueca The Bearded Lady, em 2010 e 2012, respectivamente. Trata-se de dois projetos pontuais acerca de cidades que marcaram a vida do fotógrafo.
“São duas histórias pessoais sobre os sentimentos que tinha em relação às duas cidades durante um período. Sempre gostei de desenvolver uma abordagem pessoal e poética, próxima do diário, e essas publicações representam bem isso. Adoro brincar e experimentar com a linguagem e os livros são uma ótima forma de fazê-lo”, conta.
Em 2017, o holandês fundou em parceria com Maria Agrell e Stefan Bladh a Civilian Act, empresa voltada à produção de projetos de narrativa visual em fotografia e filme tendo questões humanitárias como eixo central. A Civilian Act busca parcerias com ONGs e empresas para financiar os projetos. Além disso, funciona como escola de formação de jovens fotógrafos, jornalistas e cineastas, tendo por objetivo criar contadores de histórias em comunidades periféricas para que possam gerar narrativas a partir de seus próprios pontos de vista.
Desde 2017, ele desenvolve por meio da Civilian Act o projeto Love Stories (Histórias de Amor), voltado à documentação da vida de refugiados ao redor do mundo. O projeto tem patrocínio da ACNUR Suécia (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Ao ver a notícia sobre a caravana de migrantes da América Central, que partiria em outubro de 2018 da fronteira sul do México com a Guatemala em direção à fronteira norte, com os Estados Unidos, Ten Hoopen decidiu documentar o acontecimento.
Em vez de focar as condições degradantes enfrentadas pelos integrantes da caravana, o holandês optou por uma abordagem mais sensível, com um trabalho centrado na história de vida das famílias e nos breves momentos de descanso ou mesmo de alegria. Usou uma câmera de médio formato 6 x 6 e escolheu um tratamento baseado em tons dessaturados, avesso à dramatização.
Com uma seleção de 11 imagens feitas durante a caravana, Pieter Ten Hoopen ganhou o grande prêmio do World Press Photo 2019, na categoria História do Ano. Com o projeto Love Stories ainda em andamento, programado para terminar em 2021, ele continua a acompanhar de perto a situação na fronteira entre México e EUA.
O fotógrafo holandês é um dos convidados do Paraty em Foco 2019 e, apesar de ter viajado bastante pela América do Sul, principalmente Colômbia, é sua primeira viagem ao Brasil. Além de apresentar trabalhos na série de Encontros e Entrevistas, Ten Hopen tem workshop de um dia programado para o sábado, dia 21 de setembro. No curso, vai abordar formas de construir narrativas visuais por meio de fotografias.
“Sempre quis viajar para o Brasil, mas nunca tive oportunidade. Não tenho ideia do que encontrar, mas sei que existe uma tradição de contadores de histórias no País. Por isso, acredito que será uma oportunidade de travar diálogos inspiradores acerca do que estamos fazendo e de como nos tornar ainda melhores naquilo que fazemos”, aposta.