Tenho uma coleção de pratos e xícaras.
Não compro conjuntos, aparelhos de jantar ou café. Garimpo objetos sem par, solitários, quiçá únicos.
Vou buscá-los nas prateleiras mais diversas, algumas virtuais.
Dentre estes há uma xícara com uma inscrição que sempre me comove: “Enquanto você estiver vivo, vai ter louça” (Ida Feldman). Esta frase, em tempos pandêmicos, me cai como uma oração e um alento:
Afinal, uma frase que atrela a vida à louça na pia nos faz questionar a mortalidade, pois o circuito vida/louça/vida passa, de forma absolutamente simplória, a ser o que nos mantém, seja lavando, seja gerando louça para ser lavada.
Quando comecei a fotografar a minha pia, com louças ainda por lavar, projeto que nasceu suave e sem pretensão maior, queria (narcisista que sou) falar do meu dia a dia. A intenção era, através de um diário imagético, demonstrar como eu estava vivendo na minha nova vida e em uma casa nova.
Uma pia repleta, na minha intuição, remeteria a uma festa, a inúmeras pessoas amigas sendo recebidas na minha casa.
O retrato de uma xícara solitária na pia poderia significar, entre outras coisas, um momento de solidão. E o que dizer de duas taças de vinho?
Sempre ficava imaginando como essas fotos seriam lidas por quem não participava delas.
Em seguida veio um reforço de peso, os versos de Chico Buarque: “Todo dia ela faz tudo sempre igual”.
A magnifica poesia de “Cotidiano” passou a acompanhar as fotos, cada foto um verso da canção, dando, mais uma vez, a sensação do moto-perpétuo, contínuo, inacabável… imortal.
Continuo fotografando, é um projeto que não acabará enquanto houver louça.