Na Beira do Tempo é resultado da pesquisa fotográfica em torno de bares centenários, localizados no meio-oeste/interior de Santa Catarina, e que funcionam como espaços de história e guarda da memória, embora o risco de demolição seja premente. A pesquisa se concentrou nas comunidades rurais de: Barra do Leão em Campos Novos-SC, Santa Helena em Joaçaba-SC, Vista Alegre em Água Doce-SC, Tangará-SC e foi realizada no período de 2020 a 2024.
O portfólio narra o patrimônio, imaterial e material, que se faz vivo na paisagem e na estética destes quatro bares e de seus anfitriões. São duas mulheres e dois homens, velhos, que para além de proprietários de bar, são mestres do saber e mantenedores da memória em suas comunidades. Embora exista esse reconhecimento, os anfitriões não enxergam seus bares no futuro, nem sabem sobre a continuidade do ofício e vislumbram o abandono, a demolição ou quem sabe uma construção nova no lugar.
O material fotográfico apresenta a relação entre a permanência da memória e a impermanência da vida. Os quatro anfitriões – Iracema, Carlos, Nelson e Marlene – têm suas histórias sustentadas na imagem e na arquitetura dos seus respectivos bares. A estrutura, a textura, a materialidade destes bares dizem sobre a geografia do lugar, mas principalmente, sobre as subjetividades de seus anfitriões.
Anfitrião e bar se confundem e metaforizam a força e a fragilidade da vida. Isso porque as rachaduras na parede do bar se misturam as rugas e aos vincos na cara. O telhado torto e o forro retorcido observam as costas curvadas e os seus desvios. Trata-se assim, de um tempo que é casa, que é corpo, e insiste em permanecer vivo. Também se destacam nas fotografias os modos de existência e convívio. Assim como a arquitetura do bar já faz parte do imaginário local-coletivo, os anfitriões – Iracema, Carlos, Nelson e Marlene – também ocupam a memória coletiva e afetiva de quem passa ou vive ali.
As fotografias deste portfólio evidenciam, então, a passagem do tempo e a beleza que habita no velho, num sentido de abertura para vida, enquanto possibilidade de experiências na beira do bar e na beira do tempo.
Sobre as comunidades e seus anfitriões
Na comunidade rural de Santa Helena, em Joaçaba, Iracema recebe as pessoas no bar que também já foi hospedaria e salão de baile. A cerveja da marca Samba e a vivacidade da anfitriã são as marcas do lugar. Ali, os moradores acessam o balcão com intimidade e anotam suas próprias compras no caderninho de fiados.
Na comunidade Barra do Leão, em Campos Novos, Marlene recebe as pessoas com a trilha da sua máquina de costura e do rádio de antena sempre ligado. Ali, o balcão é bordado pelos doces no baleiro de vidro e pelas conversas alinhavadas por esta mulher. Marlene é uma matriarca da sua comunidade, e o bar é frequentado por pessoas de todas as idades e gêneros, mas principalmente por grupos de velhas mulheres.
Na comunidade de Vista Alegre, em Água Doce, Carlos espera as pessoas entre silêncios de paredes azuis. De vez em quando, se escuta um caminhão que passa e o vento que barulha em direção às usinas eólicas da cidade. O bar fica no Km 150 e recebe trabalhadores que estão de passagem, e trabalhadores que vivem nas comunidades assentadas da região. A pintura descascada da fachada do bar é a mesma desde quando ele era um menino e acompanhava seu pai, Joaquim, que dá nome ao lugar: Bar do Tio Joaquim
Em Tangará-SC, na rua central, está o bar de Nelson. Com ares de faroeste, o casarão verde de madeira salta aos olhos de quem passa. De passo, gesto e andar vagarosos, de quem não se preocupa com o relógio, o velho anfitrião embala caixas de cigarro em folhas de jornal e narra as histórias da construção da estrada de ferro São Paulo- Rio Grande do Sul. Ele também relembra os bailes que deram à cidade o nome de passarinho. Toda essa riqueza e patrimônio histórico-cultural está na beira do esquecimento. Afinal, estes bares que funcionam como espaços de convívio só permanecem vivos pela condução de Iracema, Carlos, Nelson e Marlene – todos com idade bastante avançada.